Em a "Contra a correnteza" (1999,2009), o objetivo foi o de mostrar, a partir da ciência moderna, tendo Descartes como referência, a ruptura integral do conceito pré-socrático, tendo por objetivo, legitimar a apropriação espontaneista da Natureza como base de sustentação do sistema de produção capitalista. Na oportunidade deu-se ênfase à ideologização do processo de externalização da Natureza, considerando, no campo científico, os elementos que contribuíram para as posturas positivistas, que culminaram com a dualização da própria disciplina geográfica. Agora, procura-se mostrar, como a ideologia da externalização foi sendo assimilada pelo inconsciente coletivo. Pretende-se antes, fazer algumas referências aos principais momentos que culminaram com a ruptura estrutural e consequente externalização da Natureza, para em seguida, tratar do processo de ideologização que se apropriou do inconsciente coletivo. 2. As principais derivações do conceito de Natureza Como marco histórico, parte do pensamento pré-socrático, tendo como referência o conceito de Natureza, denominada de "Phýsis' pelos gregos (Thales e Mileto: 624-558 aC), caracterizada como "princípio de movimento e substância; ordem necessária ou conexão causal; exterioridade contraposta à interioridade da consciência; o macro e o microcosmo formando uma unidade", como também aquilo que singulariza algo existente, "essência ou princípio diretivo". Como escreve Gorresio (2017), o conceito de Phýsis "tem um sentido muito abrangente, pois abarca tudo que é em qualquer nível de ser: o céu, a terra, um animal, uma pedra, uma planta, o ser humano, mas também um sentimento, um deus, tudo que é, é uma expressão de Phýsis". Assim, a Natureza não é só causal, mas também movimento teleológico, atribuído de "enteléchia" por Aristóteles. Na Idade Média, período que se estende entre os Séculos V e XV, a presença de filósofos árabes, judeus e cristãos, até então ausentes na história da filosofia, a Natureza não recebe uma concepção específica, embora mantida a ordem macrocósmica e microcósmica, "o homem como parte de um macrocosmo divino", com suas raízes vinculadas à Natureza deificada, "mesmo quando compreendida como 'exterioridade' de espírito, e por isso, imperfeita e descaracterizada", a exemplo da teosofia medieval de Plotino (205-270 aC). Em Copérnico, Kepler e Galileu, o conceito de Natureza "é entendido ainda como ordem necessária, mas de caráter matemático", embora perdendo a noção finalista. Conforme Gorresio (2017), "esse sentido de Natureza atravessou todo o naturalismo renascentista até o Século XVII, quando começou a contraposição entre o homem e a Natureza, com René Descartes (1596-1650), dando início à filosofia moderna". Embora esse processo tenha sido iniciado por Bacon (1561-1626), empirista inglês, Descartes foi quem rompeu com a tradição e o desenraizamento do homem da Natureza. "De sorte que, esse eu, isto é a alma, pela qual sou o que sou, é inteiramente distinta do corpo e de fato é mais fácil de conhecer do que o corpo, e, ainda que nada fosse, ela não deixaria de ser tudo o que o eu é" (Descartes, 2000). Como se lê em Casseti (1999:2009), a separação entre "cogito" e "res extensa", ao revelar o desencantamento do corpo, revela também o desencantamento da alma, iniciando o processo de dissolução do sujeito. A partir de então tem-se a "feliz apatia" que Adorno & Horkheimer (1986) entendem como a dominação da natureza interna em prol da dominação da natureza externa. O processo de desenraizamento do homem da Natureza é corroborado por Kant (1724-1804), idealista transcendental, com sua filosofia da Natureza e da Natureza humana, que dominou a vida intelectual do Século XX. "Kant reduziu o ser à razão, negando totalmente a existência da realidade exterior, quando coloca a sua total dependência em relação ao sujeito conhecedor". Continua Gorresio (2017), "...estava instalado assim, o paradigma moderno, leitura do ser, do conhecer e do homem. Dentro desse paradigma o homem agora centrado na Razão soberana, desintegrou-se da Natureza".