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Mário de Sá-Carneiro desconhecido

Abstract

Mário de Sá-Carneiro desconhecido Aquilino Ribeiro guardou papéis e documentos nunca vistos do poeta. Revelam-se aqui. Terão vindo da mala "desaparecida" do hotel onde se suicidou em Paris-aquela que tinha as cartas de Pessoa. É o grande mistério do modernismo português. Em 15 de Março de 1916 Mário de Sá-Carneiro escreveu a Fernando Pessoa: em breve estaria "com certeza aí em Lisboaou no raio que me parta". A 26 de Abril suicidou-se no Hôtel de Nice, na Rue Victor Massé, perto da Place Pigalle, centro de Paris. Uma mala ficou retida no hotel, por dívidas. Continha inéditos, documentos pessoais e as cartas enviadas por Pessoa. Ignora-se o que lhe aconteceu. Este "é provavelmente o enigma maior do modernismo portugueŝ, um mistério que pode, ou não, vir um dia a ter resolucão", determinou o investigador Ricardo Vasconcelos, especialista em Sá-Carneiro (revista "Pessoa Plural", 2017). O que agora se revela é um conjunto de papéis nunca vistos que poderão ter vindo da famosa mala. Pertenceram a Aquilino Ribeiro, que nunca os publicitou. Entre eles há poemas e um conto desconhecidos, todos da fase juvenil, e o último bilhete de identidade do poeta. Os documentos-descritos noutro texto nestas páginas-foram encontrados no espólio de Aquilino guardado entre os herdeiros e a Fundação Aquilino Ribeiro (em Soutosa, Moimenta da Beira), que permitem divulgá-los aqui. São: um caderno com recortes de peças literárias publicadas na imprensa em 1908-1909, onde aparecem os textos desconhecidos; cópias dos poemas "Distante Melodia" e "Apoteose"; uma lista de obras referentes a 1913-1914; um sobrescrito (vazio) dirigido a uma empresa tipográfica de Paris que editou Amadeo de Souza-Cardoso. Há também um exemplar da novela "A Confissão de Lúcio" com dedicatória ao amigo Carlos Alberto Ferreira, onde está colado o documento oficial identificativo e um certificado do cemitério onde Sá-Carneiro foi enterrado (obtido em 1937). Até hoje não se encontrou qualquer testemunho de Aquilino sobre os documentos. Não se sabe como os obteu, mas é de admitir tê-los recebido de Carlos Alberto Ferreira. Muitíssimo menos plausível é terem-lhe sido dados (os originais) pelo próprio Sá-Carneiro. Aliás: sobre as relações mais ou menos distantes entre Aquilino e os modernistas portugueses veja-se à frente o artigo do investigador Aquilino Machado, seu neto. 1 Em todo o caso, este espólio é uma evidência material que acresce à tese de o contido na mala não ter desaparecido na totalidade. Nas últimas décadas surgiram algumas pistas sobre a mala (ou malas, verse -á adiante), principalmente devidas a investigações de Ricardo Vasconcelos (que em 2015, com Jerónimo Pizzarro, publicou as cartas de Sá-Carneiro a Pessoa, e em 2017 a poesia completa, tudo na editora Tinta-da-China) e de Marina Tavares Dias (não descurarando os trabalhos de François Castex e de Arnaldo Saraiva). Tavares Dias desvelou em 1994 no "Jornal de Letras" o único papel até hoje sabido proveniente da mala, outrora em posse do pintor João Ferreira da Costa, também da convivência de Sá-Carneiro em Paris. É um manuscrito com uma variante da quadra "Campainhada", conhecida em 1937 no volume póstumo "Indícios de Oiro", e aumentada de versos (aliás, nunca publicados em livro). Para perceber os contornos do "enigma" importa fazer o filme dos dias anteriores e posteriores ao suicídio, explicando como dois amigos do poeta-aquele Carlos Alberto Ferreira e um José António Baptista de Araújointervieram no caso (os testemunhos deles aqui citados foram extraídos, e abreviados, de cartas a Pessoa incluídas nas edições de Vasconcelos). Ferreira residiu entre Paris e Bruxelas como adido comercial de Portugal na Bélgica e conhecia Sá-Carneiro (e Pessoa) pelo menos desde 1913. Araújo era amizade de finais de 1915 e tinha uma firma de representações comerciais na capital francesa. (Um deles terá entregue ao pintor Ferreira da Costa o papel revelado no "Jornal de Letras"). Não se conhece nenhuma indicação testamentária de Sá-Carneiro sobre o seu espólio. O que se seguiu imediatamente à morte foi uma série de movimentações muito pouco transparentes.