Academia.eduAcademia.edu

Nomes-proprios

Uma das cenas mais icônicas da história da televisão é uma cena da minissérie Raízes (Roots, 1977, 2016). Nela aparecem Kunta Kintê, manietado no pelourinho, e o feitor de escravos, que descarrega o látego vigorosa e exaustivamente na carne exposta do primeiro. O flagelo se prolonga à medida que o feitor não recebe a resposta que deseja para a pergunta que repete sempre depois de cada chicotada: "Qual é o seu nome?". O feitor quer ouvir o nome "Toby", mas o supliciado resiste e repete com tudo o que lhe resta de força e orgulho o seu nome africano. "Kunta Kintê" é o nome que o liga ao amor de seus pais, aos seus ancestrais, ao seu povo, a sua cultura, a sua história, a sua terra na África; o nome "Toby" é o nome que lhe foi atribuído pelos seus escravizadores. Para Kunta Kintê, aceitar esse nome equivale a esquecer suas raízes, a trair suas tradições, a assumir a condição degradante de escravo. Por isso ele resiste o quanto pode, entretanto, embora altivo, ele é humano, e, como todos nós, tem um limite para o que pode suportar. A cena termina justamente quando ele, completamente dilacerado, no corpo e na alma, finalmente responde "Toby". O proferimento desse nome é entendido por todos como uma capitulação. A simples pronúncia do nome "Toby" naquele contexto parece veicular uma mensagem com sentido completo: "o príncipe africano está subjugado". Essa cena me veio à mente mais de uma vez ao ler a argumentação exposta neste livro. Nela, o professor Ayala Gurgel, a quem tive a felicidade e o privilégio de orientar no Doutorado em Filosofia, defende que o