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Danças da Vida e da Morte nas Barcas de Gil Vicente

2001, Ehumanista Journal of Iberian Studies

Abstract

Nunca poderemos saber, ao certo, como reagiram os espectadores da época ao teatro de Gil Vicente. Tanto mais que, apesar de se ter mantido invariavelmente ao serviço da Corte, o dramaturgo escreve ao longo de 35 anos, adoptando soluções estéticas bastante diversificadas, a que terão certamente correspondido diferentes níveis de impacto. É com precaução que deveremos aproximar-nos, por exemplo, da célebre estrofe 186 da Miscelânea de Garcia de Resende, tentando descortinar, a este propósito, algum sentido testemunhal. Como é sabido, Resende refere-se expressamente às " representações […] de mui novas invenções / e feitas por Gil Vicente," para enfatizar de seguida: "Ele foi o que inventou / isto cá." Para além de valer como indicação de que o teatro de Gil Vicente foi sentido na época como verdadeira novidade, este registo torna-se ainda mais impressivo por ser colocado imediatamente na sequência da descrição do esplendor artístico da Corte de D. Manuel, povoada de "Pintores, luminadores […] ourivizes, escultores," que o cronista, bom conhecedor dos meios italianos, comparara antes aos nomes cimeiros da Renascença: "vimos o gran Michael, Alberto e Raphael / e em Portugal há tais / tão grandes e naturais / que vem quasi ao livel" (est. 185). 1 Apesar da verdade essencial que parece desprender-se destes versos encomiásticos, é contudo natural que eles não traduzam o sentimento de todos os que na Corte puderam apreciar os autos de Mestre Gil. Em simultâneo com este tipo de louvores devem terse verificado tentativas de desmerecimento e desconfiança quanto à originalidade do dramaturgo. Um dos sinais desta suspeita aparece indiciado na Didascália de um dos autos (Inês Pereira), quando se alude