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2021, Revista do NESEF
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Aquele homem formal, de terno e bigodes pretos, e sua gentil esposa, nos receberam em seu apartamento em Recife. Uma amiga da JUC-Juventude Universitária Católica-fez o contato e me acompanhou até lá. Era o ano de 1963. Nosso primeiro encontro, antes do golpe de 1964 Me impressionaram as proposições visionárias do casal. Elza fazia comentários que revelavam seu engajamento na campanha. O Presidente João Goulart havia nomeado Paulo coordenador da Campanha Nacional de Alfabetização. Uma ocasião extraordinária de realizar em poucos anos uma espécie de "revolução das consciências", não por uma via doutrinária ou manipuladora, mas sim através do despertar da consciência crítica da população trabalhadora do campo e das cidades. No linguajar de Paulo, "ler mais que a palavra escrita: ler a sua realidade" queria dizer desvendar as causas da sua pobreza e atuar sobre elas! Que grande ameaça isto podia representar aos grandes latifundiários, famintos de agarrar a terra de camponeses analfabetos 10 , sobretudo os do Nordeste, região de origem de Paulo e Elza! Estava claro que a conscientização e a organização dos camponeses acabariam com a ganância desenfreada dos latifundiários. Nessa época eu cursava o terceiro ano da Escola Nacional de Geologia, no Rio de Janeiro, e era o presidente da Executiva Nacional dos Estudantes de Geologia, fi liada à UNE-União Nacional dos 9 Economista e educador do Instituto PACS. Ex-colaborador do Instituto de Ação Cultural de 1973 a 1978 em Genebra. Consultor em educação de jovens e adultos dos Ministério da Educação da Guiné Bissau (1975-1978) e da Nicarágua Sandinista (1979-1989). Ex-professor de Filosofi a da Educação Popular no IESAE-Instituto de Estudos Avançados em Educação, FGV, Rio de Janeiro (1982-1992). Assessor do FMCJS-Fórum Mudanças Climáticas e Justiça Social-e associado à Rede Solidarius e ao Instituto Transnacional (Amsterdam). 10 E conseguiram. Hoje, quase 60 anos depois, 1% dos proprietários de terras detêm 48% das terras cultiváveis do Brasil.
SENPE - Seminário Nacional de Pesquisa em Educação (ISSN 2675-8970), 2020
2021
Este é o terceiro número que a Educação, Sociedade & Culturas dedica ao grande educador Paulo Freire. Sua obra é tão vasta, tão influente, que está sempre a alicerçar novos estudos, a exigir novas reflexões e a provocar transformações inventivas nos quotidianos da prática educativa e, por isso, a impor aprofundamentos teóricos. O engajamento com o presente, tendo à frente os horizontes de futuros possíveis que atravessa o trabalho de Paulo Freire, inspira os trabalhos reunidos nos volumes anteriores desta revista e o atual número. Quando em 1998 se organizou o n.º 10 da revista Educação, Sociedade & Culturas, registou-se no Editorial: Escrever sobre um homem com uma obra concebida, teorizada e enraizada numa prática de intervenção social como a de Paulo Freire, um homem que, com límpida consciência construída e assumida ao longo de toda a sua vida, afirmou que «luta porque ama», um homem que disse querer ser lembrado com a frase «Paulo Freire, viveu, amou e quis saber» é uma tarefa não só difícil, mas também de extrema responsabilidade.
Revista Cientifica E Curriculum Issn 1809 3876, 2006
com afinco, Como se deu esse processo? Licínio Lima-Eu me considero um eterno estudante da obra de Paulo Freire. Não me considero realmente um especialista. O Brasil tem grandes especialistas na obra de Freire e fora do Brasil também existem. Eu sou um estudante, um estudante universitário digamos assim; e o estudante universitário estuda lendo as obras dos autores e escrevendo sobre elas. Aliás, Paulo Freire tem um texto sobre o que é estudar, muito interessante, em que articula estudar e escrever. Como ler os autores, como estabelecer um confronto, um enfrentamento, como ele diz, entre o leitor, o autor e os textos; portanto, desse ponto de vista, eu faço isso recorrentemente. Logo no primeiro ano da universidade, estudei a Pedagogia do Oprimido. Estávamos em 1976, num período pósrevolucionário. A revolução democrática, a Revolução dos Cravos de 1974, tinha ocorrido há pouco tempo, e portanto foi um momento interessante para ler essa obra maior, que é a Pedagogia do Oprimido. Li também, nessa altura, alguns trechos da Educação como Prática da Liberdade. Freire foi um autor que sempre me interessou muito, até porque, quando era jovem, trabalhei na área de educação de adultos. A partir de 1979, com vinte e poucos anos, estive muito envolvido em
O artigo apresenta os resultados preliminares de estudo do Grupo de Pesquisa sobre o Sistema de de Espaços Livres de Criciúma e região abordando a caracterização e a qualificação do Sistema de Espaços Livres (SEL), na Região da Grande Santa Luzia, no município de Criciúma. A área de estudo denominada pela Universidade do Extremo Sul Catarinense (UNESC) como “Território Paulo Freire”, atualmente conta com 12 projetos interdepartamentais, de caráter participativo.
Quando muita gente faz discursos pragmáticos e defende nossa adaptação aos fatos, acusando sonho e utopia não apenas de inúteis, mas também de inoportunos enquanto elementos que fazem necessariamente parte de toda prática educativa desocultadora das mentiras dominantes, pode parecer estranho que eu escreva um livro chamado Pedagogia da esperança: um reencontro com a pedagogia do oprimido. Para mim, pelo contrário, a prática educativa de opção progressista jamais deixará de ser uma aventura desveladora, uma experiência de desocultação da verdade. É porque sempre pensei assim que, às vezes, se discute se sou ou não um educador. Foi isto que, recentemente, ocorreu em um encontro realizado na UNESCO, em Paris, me disse um dos que dele participaram, em que representantes latino-americanos negavam a mim a condição de educador. Não a eles, é óbvio. Criticavam em mim o que lhes parecia minha politização exagerada. Não percebiam, porém, que, ao negarem a mim a condição de educador, por ser demasiado político, eram tão políticos quanto eu. Certamente, contudo, numa posição contrária à minha. Neutros é que nem eram nem poderiam ser. Por outro lado, deve haver um sem-número de pessoas pensando como um professor universitário antigo meu que me indagou, espantado: "Mas como, Paulo, uma Pedagogia da esperança no bojo de uma tal sem-vergonhice como a que nos asfixia hoje, no Brasil?" É que a "democratização" da sem vergonhice que vem tomando conta do país, o desrespeito à coisa pública, a impunidade se aprofundaram e se generalizaram tanto que a nação começou a se pôr de pé, a protestar. Os jovens e os adolescentes também, vêm às ruas, criticam, exigem seriedade e transparência. O povo grita contra os testemunhos de desfaçatez, As praças públicas de novo se enchem. Há uma esperança, não importa que nem sempre audaz, nas esquinas das ruas, no corpo de cada uma e de cada um de nós. E como se a maioria da nação fosse tomada por incontida necessidade de vomitar em face de tamanha desvergonha. Por outro lado, sem sequer poder negar a desesperança como algo concreto e sem desconhecer as razões históricas, econômicas e sociais que a explicam, não entendo a existência humana e a necessária luta para fazê-la melhor, sem esperança e sem sonho. A esperança é necessidade ontológica; a desesperança, esperança que, perdendo o endereço, se torna distorção da necessidade ontológica. Como programa, a desesperança nos imobiliza e nos faz sucumbir no fatalismo onde não é possível juntar as forças indispensáveis ao embate recriador do mundo. Não sou esperançoso por pura teimosia mas por imperativo existencial e histórico. Não quero dizer, porém, que, porque esperançoso, atribuo à minha esperança o poder de transformar a realidade e, assim convencido, parto para o embate sem levar em consideração os dados concretos, materiais, afirmando que minha esperança basta. Minha esperança é necessária mas não é suficiente. Ela, só, não ganha a luta, mas sem ela a luta fraqueja e titubeia. Precisamos da herança crítica, como o peixe necessita da água despoluída. Pensar que a esperança sozinha transforma o mundo e atuar movido por tal ingenuidade é um modo excelente de tombar na desesperança, no pessimismo, no fatalismo. Mas, prescindir da esperança na luta para melhorar o mundo, como se a luta se pudesse reduzir a atos calculados apenas, à pura cientificidade, é frívola ilusão. Prescindir da esperança que se funda também na verdade como na qualidade ética da luta é negar a ela um dos seus suportes fundamentais. O essencial como digo mais adiante no corpo desta Pedagogia da esperança, é que ela, enquanto necessidade ontológica, precisa de ancorar-se na prática. Enquanto necessidade ontológica a esperança precisa da prática para tornar-se concretude histórica, É por isso que não há esperança na pura espera, nem tampouco se alcança o que se espera na espera pura, que vira, assim, espera vã. Sem um mínimo de esperança não podemos sequer começar o embate mas, sem o em ate, a esperança, como necessidade ontológica, se desarvora, se desenderereça e se torna desesperança que, as vezes, se alonga em trágico desespero.Daí a precisão de uma certa importância em nossa existência, individual e social, que não devemos experimentá-la de forma errada, deixando que ela resvale para a desesperança e o desespero. Desesperança e desespero, conseqüência e razão de ser da inação ou do imobilismo. Nas situações-limites, mais além das quais se acha o "inédito viável"¹, às vezes perceptível, às vezes, não, se encontram razões de ser para ambas as posições: a esperançosa e a desesperançosa. Uma das tarefas do educador ou educadora progressista, através da análise política, séria e correta, é desvelar as possibilidades, não importam os obstáculos, para a esperança, sem a qual pouco podemos fazer porque dificilmente lutamos e quando lutamos, enquanto desesperançados ou desesperados, a nossa é uma luta suicida, é um corpo-a-corpo puramente vingativo. O que há, porém, de castigo, de pena, de correção, de punição na luta que fazemos movidos pela esperança, pelo fundamento ético-histórico de seu acerto, faz parte da natureza pedagógica do processo político de que a luta é expressão. Não será equitativo que as injustiças, os abusos, as extorsões, os ganhos ilícitos, os tráficos de influência, o uso do cargo para a satisfação de interesses pessoais, que nada disso, por causa de que, com justa ira, lutamos agora no Brasil, não seja corrigido, como não será carreto que todas e todos os que forem julgados culpados não sejam severamente, mas dentro da lei, punidos. Não basta para nós, nem é argumento válido, reconhecer que nada disso é "privilégio" do Terceiro Mundo, como às vezes se insinua. O Primeiro Mundo foi sempre exemplar em escândalos de toda espécie, sempre foi modelo de malvadez, de exploração, Pense-se apenas no colonialismo, nos massacres dos povos invadidos, subjugados, colonizados; nas guerras deste século, na discriminação racial, vergonhosa e aviltante, na rapinagem por ele perpetrada. Não, não temos o privilégio da desonestidade, mas já não podemos compactuar com os escândalos que nos ferem no mais profundo de nós. Que cinismo-entre dezenas de outros-o de certos políticos que, pretendendo esconder a seus eleitores-que têm absoluto direito de saber o que fazem no Congresso e por que fazem-, defendem, com ares puritanos, em nome da democracia, o direito de esconder-se no "voto secreto" durante a votação do impedimento do presidente da República. Por que se esconder, se não há risco, o mais mínimo, de terem sua integridade física ofendida? Por que se esconder se proclamam a "pureza", a "honradez", a "inatacabilidade" de seu presidente? Pois que assumam, com dignidade, a sua opção. Que explicitem sua defesa do indefensável. A Pedagogia da esperança: um reencontro com a pedagogia do oprimido é um livro assim, escrito com raiva, com amor, sem o que não há esperança. Uma defesa da tolerância, que não se confunde com a conivência, da radicalidade; uma crítica ao sectarismo, una compreensão da pós-modernidade progressista e uma recusa à conservadora, neoliberal. Num primeiro momento, procuro analisar ou falar de tramas da infância, da mocidade, dos começos da maturidade em que a Pedagogia do oprimido com que me reencontro neste livro era anunciada e foi tomando forma, primeiro, na oralidade, depois, graficamente. Algumas dessas tramas terminaram por me trazer ao exílio a que chego com o corpo molhado de história de marcas culturais, de lembranças, de sentimentos, de dúvidas, de sonhos rasgados mas não desfeitos, de saudades de meu mundo, de meu céu, águas mornas do Atlântico, da "língua errada do povo, língua certa do povo". * Cheguei ao exílio e à memória que trazia no meu corpo antas tramas juntei a marca de novos fatos, novos saberes constituindo-se então em novas tramas. A Pedagogia do oprimido emerge de tudo isso e falo dela, de como aprendi ao escrevê-la e até de como, ao primeiro falar dela, fui aprendendo a escrevê-la.
Revista Lusofona De Educacao, 2005
2014
Este trabalho tem como objeto a concepcao que Paulo Freire desenvolveu sobre a alfabetizacao e a pos-alfabetizacao, configurando a Educacao de Adultos (EDA) que, no Brasil, e impropriamente denominada Educacao de Jovens e Adultos (EJA). Essa concepcao insere-se no universo da educacao Popular que e, certamente, a maior contribuicao da America Latina ao pensamento pedagogico mundial. Freire propoe a substituicao da aula pelo que denominou “circulo de cultura” no qual, por meio de relacoes horizontalizadas, educadores e educandos aprendem mutuamente, discutindo palavras, temas ou contextos geradores de suas proprias culturas. Ressalte-se que, para Freire, toda relacao humana desenvolve-se sobre uma dimensao politica, apreendida pela leitura de mundo que, por sua vez, e a base da leitura da palavra. O autor do texto demonstra, por meio de exemplos de sua propria experiencia, como duvidou e, depois, ratificou essa importante licao de Freire.
Educacao Online, 2013
Resumo A atualidade de Paulo Freire pode ser avaliada a partir de diferentes indicadores, entre eles, o das instituições, no Brasil e no mundo, dos grupos e movimentos que promovem pesquisas, ações e projetos, nos campos da educação e desenvolvimento humano em geral. No Rio Grande do Sul, a XV sessão anual do Fórum de Estudos: Leituras de Paulo Freire, realizada em 2013, teve mais de duzentos trabalhos apresentados. O VIII Colóquio Internacional do Centro Paulo Freire de Estudos e Pesquisas, de Recife, teve participação ainda mais ampla. O Instituto Paulo Freire de São Paulo, é outro exemplo da atualidade do autor. Pedagogia do oprimido, tem hoje 50 edições e está traduzido em mais de 20 línguas, Educação como prática da liberdade está na 34ª edição e Pedagogia da autonomia, na 43ª. Pedagogia do oprimido é mais que um livro, um projeto a serviço de um mundo mais solidário, e foi recriado de muitas maneiras, no mundo inteiro, nos campos da educação, da ética, da ecologia, da saúde, da cultura e da política.
Aos que vierem depois de nós Realmente, vivemos tempos sombrios! A inocência é loucura. Uma fronte sem rugas denota insensibilidade. Aquele que ri ainda não recebeu a terrível notícia que está para chegar. [...] E, contudo, sabemos que também o ódio contra a baixeza endurece a voz. Ah, os que quisemos preparar terreno para a bondade não pudemos ser bons. Vós, porém, quando chegar o momento em que o homem seja bom para o homem, lembrai-vos de nós com indulgência. BERTOLT BRECHT (Tradução de Manuel Bandeira) 1 APRESENTAÇÃO Princípios (inícios) e sentidos de uma leitura [...] sempre digo que a única maneira que alguém tem de aplicar, no seu contexto, alguma das proposições que fiz é exatamente refazer-me, quer dizer, não seguir-me. Para seguir-me, o fundamental é não seguir-me. (FREIRE. In: FREIRE; FAUNDEZ, 2017 [1985], p. 60) Não tenho por que não repetir, nesta carta, que a afirmação segundo a qual a preocupação com o momento estético da linguagem não pode afligir ao cientista, mas ao artista, é falsa. Escrever bonito é dever de quem escreve, sem importar o quê e sobre o quê. (FREIRE, 2015 [1994], p. 130) Paulo Reglus Neves Freire, ou melhor, Paulo Freire, 2 é uma figura extraordinária não apenas para a educação brasileira, mas também para a educação latino-americana e mundial. Suas contribuições não se limitam a uma obra escrita, muito menos a um método, sequer a um paradigma teórico, mas dizem respeito também a uma prática e, de um modo mais geral, a uma vida dedicada à educação, uma vida feita escola, uma escola de vida, ou seja, uma maneira de ocupar o espaço de educador que o levou de viagem pelo mundo inteiro fazendo escola, educando em países da América Latina, nos Estados Unidos, na Europa, na África de língua portuguesa, na Ásia e na Oceania. Esse parágrafo inicial é uma apreciação surgida de uma constatação mais ou menos evidente para qualquer um que trabalha com educação e circula no âmbito acadêmico no Brasil ou, mais ainda, fora dele. Uma pesquisa recente da Cátedra Paulo Freire da PUC-SP mostra que, entre 1991 e 2012, só no Brasil, nada menos que 1.852 trabalhos de pós-graduação (1.428 dissertações de mestrado acadêmico, 39 dissertações de mestrado profissional e 385 teses) fazem referência ao pensamento de Paulo Freire (SAUL, 2016, p. 17). Pode-se discutir sua maneira de entender a educação, algumas de suas experiências práticas, suas apostas políticas... Enfim, muito pode ser argumentado sobre ele, mas não há como negar que Paulo Freire dedicou sua vida à escola, à educação, e que por isso é reconhecido em todo o mundo educacional. Basta olhar as bibliografias de livros publicados ou de causa e muitos prêmios, entre eles o da Paz da UNESCO, em 1986. Seus principais trabalhos estão traduzidos em mais de vinte línguas. Sua relevância para o mundo da educação é destacada por importantes acadêmicos de diversos países. Senão, que o digam, a título de exemplo, alguns testemunhos sobre sua figura: "Paulo Freire é o intelectual orgânico exemplar de nosso tempo" (WEST, 1993, p. xiii); "O nome de Paulo Freire tem recebido proporções quase icônicas nos Estados Unidos, na América Latina e, inclusive, em muitas partes da Europa" (ARONOWITZ, 1993, p. 8); "O catalizador, senão o principal animateur da inovação e da mudança pedagógica na segunda metade do século" (TORRES, 1990, p. 12); "O educador mais importante do mundo nos últimos cinquenta anos" (MACEDO. In: WILSON; PARK; COLÓN-MUÑIZ, 2010, p. xv); "A vida e a obra de Freire estão inscritas no imaginário pedagógico do século XX, constituindo uma referência obrigatória para várias gerações de educadores" (NÓVOA, 1998, p. 185). A lista poderia preencher muitas e muitas páginas. Paulo Freire conseguiu até algumas façanhas simbólicas no Brasil, como desmentir ditados populares (ele é um profeta em sua terra) e inspirar milagres (em Brasília, cidade sem esquinas, a Universidade Católica (UCB) criou uma esquina chamada "inédito viável", um dos conceitos de Paulo Freire). Assim, para o bem ou para o mal, a gosto ou a contragosto do próprio Paulo Freire, ele acaba se tornando um ícone, um mito, um símbolo que extrapola, e muito, o Brasil. Darei um exemplo pequeno, pessoal, apenas para ilustrar essa presença. Em 2013, fui convidado a participar de algumas atividades acadêmicas no Japão, nas universidades de Osaka e Sophia (em Tóquio). No aeroporto, me esperavam três estudantes da Universidade de Osaka: uma delas tinha uma placa com meu nome; outra, uma placa com a expressão "PFC" ("philosophy for children", filosofia para crianças), e a terceira vestia uma camiseta (muito bonita, por sinal) com a expressão "filosofia como libertação" (assim, em português) e um desenho-caricatura muito expressivo e bem-feito do rosto de Paulo Freire. Eu não iria fazer nada relativo a Paulo Freire nessa visita, nem constava nada significativo sobre sua obra no meu currículo acadêmico, o qual eles tinham lido, mas bastava que eu viesse do Brasil, do campo da filosofia e da educação para, como soube depois, fazerem uma camisa especial com o rosto de Paulo Freire para me receber. Entrevista com Lutgardes Costa Freire no Instituto Paulo Freire, São Paulo-SP, Brasil No dia 23 de novembro de 2018, tive a alegria e a honra de ser recebido por Lutgardes Costa Freire no Instituto Paulo Freire (IPF), no Alto da Lapa, São Paulo. Uns meses antes, Inés Fernández Mouján me apresentara, por email, o filho de Paulo Freire, que prontamente aceitou o pedido. A entrevista começou às 10h30. Pela manhã, recebemos a visita de Angela Biz Antunes, diretora pedagógica do IPF. A conversa com Angela foi animada, e suspendemos a entrevista para almoçar, os três, no restaurante de uma academia vizinha. O IPF ocupa uma posição paradoxal, num bairro de classe média alta da metrópole. Depois do almoço, recebemos a visita de Moacir Gadotti, com quem conversamos antes de retomar a entrevista. Lutgardes foi muito paciente, e continuamos conversando até 16h. A transcrição é de Carla Silva. Walter: Primeiro, bom dia, Lutgardes! Agradeço por me receber. Lutgardes: Imagina! Pra mim é um prazer e uma honra receber uma pessoa assim tão erudita! Walter: Eu é que agradeço! Como eu lhe dizia agora há pouco, me interessa a filosofia como um pensamento associado a uma vida. Então, eu gostaria de começar mais informalmente com a sua própria vida, com seu nascimento, sua infância, o que você lembra da infância, dos seus primeiros anos de vida. Lutgardes: Eu nasci em 1958, no Recife. Uma cidade muito quente no Nordeste do Brasil. E eu era uma criança muito brincalhona, como a gente diz. Gostava muito de brincar, porque aquela época não era como hoje, que as crianças têm que brincar em lugares específicos, preservados, fechados; quer dizer, a gente era livre, a gente brincava na rua. Então, eu tive uma infância, no Brasil, bastante feliz, nos primeiros cinco anos. Mas com 5 anos tive que viajar pro Chile, porque teve o golpe de Estado e meu pai tinha sido preso, então nós tivemos que nos refugiar no Chile. Mas o Chile nos acolheu tão bem, mas tão bem, sabe! Eles tinham um carinho, um afeto, um respeito pela gente que era impressionante. Uma coisa maravilhosa! E eu estudei no Chile, me alfabetizei no Chile... Walter: Em espanhol... Lutgardes: Sim, em espanhol. Não sentia falta do Brasil; quer dizer, eu sentia falta dos meus tios, dos meus primos, da família. Agora, do país eu não sentia falta, porque tinha vivido muito pouco aqui. O que eu conhecia do Brasil era só minha rua e minha casa, e o mar, pra onde nosso tio nos levava nos fins de semana, eu e meu irmão. É importante dizer que nós somos cinco irmãos. Walter: Você é o caçula. Lutgardes: Eu sou o caçula. O mais jovem, de 60 anos. São dois homens: Joaquim, Lutgardes. Walter: E três mulheres. Lutgardes: É. E três mulheres. Walter: E os homens são os mais novos. Lutgardes: Isso. Os homens são os mais novos. Walter: Eu me lembro de ter lido, em alguma passagem autobiográfica do seu pai, que quando ele foi preso, sua mãe, Elza, não quis levar vocês à prisão, levou só as mulheres, porque vocês eram muito pequenos, e ela tinha medo de que pudessem ficar traumatizados, e ele comentava: "E ela fez muito bem, porque acho que, de fato, não teria sido bom para eles". Você se lembra desse episódio? Lutgardes: Me lembro. Entre nós, os irmãos, hoje há controvérsias! (risos). Uns acham que talvez minha mãe devesse nos ter dito. Mas eu, pessoalmente, acho que não. Acho que ela fez bem de... Walter: Preservá-los. Lutgardes: É. Porque a imaginação da criança é muito grande, muito fértil. Então, o que era ser preso pra gente naquela idade? Era roubar alguma coisa, matar alguma pessoa; quer dizer, a gente corria o risco de ter uma imagem negativa do nosso pai. Então, eu acho que minha mãe fez bem em não nos levar à cadeia, até porque seria muito impactante pra gente. Minhas irmãs, sim, eram mais velhas, elas iam levando a comida, feijoada pros presos e pro meu pai. Mas acho que minha mãe fez bem... Walter: Em não expô-los àquela situação... Lutgardes: É... em não nos expor àquela situação. Walter: E quais são as primeiras lembranças que tem de seu pai? As mais antigas? Você se lembra daquele período? Tem alguma lembrança de você com seu pai? De como era a vida familiar? Lutgardes: Quando ele estava preso? Walter: Não, não... Pode ser até antes de ele ser preso. De antes do golpe. Lutgardes: Ah, sim. De antes do golpe eu me lembro! Eu era muito criança, mas me lembro. Meu pai tinha uma maneira de viver tipicamente nordestina (risos). Ou seja, ele tinha certa condição econômica. Boa condição econômica, que permitia que a família tivesse empregada, babá da gente, eu e Joaquim. "Babá" você entende? Walter: Sim, sim. Uma pessoa que cuidava de vocês. Lutgardes: Isso. Uma pessoa que cuidava só da gente. Walter: E que cuidava da roupa. Lutgardes: Isso. Lavava e passava nossa roupa. Meu pai ia trabalhar de manhã, voltava, almoçava em casa e depois ia trabalhar à tarde. Minha mãe também trabalhava, era...
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