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Ver e ler

2005, Cultura

Imagens e textos cruzam-se e encontram-se (ou desencontram-se) de muitas formas. Tenhamos presente as grandes narrativas que se partilham oralmente e que têm referentes visuais nos templos, nos palácios e nas ruas, tanto em suportes efémeros, em festas e procissões, como permanentes. Também nos livros, lugar de letras por definição, vê-se para além do que se lê. Ou lê-se para além das letras. Lê-se na composição, na disposição das páginas, na textura do papel ou das peles, no aparato ou na falta dele, nas gravuras, sejam ornamento ou parte integrante da narrativa. Porventura essas gravuras reproduzem cenas e personagens que já se conhecem das igrejas e das ruas. Pensar o livro é, assim, como diz Henri-Jean Martin, pensar uma peça de um processo de comunicação. Ao longo dos séculos, e sobretudo a partir de setecentos, à medida que a cultura escrita sai dos livros e passa a ocupar os espaços urbanos, na identificação dos locais, na organização do quotidiano, tornando-se necessária, e não um recurso especializado de quem precisa de exercer certas actividades, a imagem vai ganhando mais espaço no mundo impresso, equilibrando um estatuto que pertencia sobretudo à palavra. De que falam as representações que nos aparecem impressas e encadernadas? das palavras que acompanham? repetem-nas? comentam-nas como um coro que sublinha certas passagens? Entre os vários olhares possíveis, escolhemos considerá-las na sua autonomia relativa, corno várias vozes que se encontram para cumprir funções próprias. Não pensamos a imagem impressa como subordinada a textos. Mas também não a vemos como testemunho isolado da evolução de técnicas e valores estéticos. A imagem faz passar sentido. Tem códigos próprios e assenta num saber fazer (de quem desenha, grava ou imprime) e num saber ler (do conjunto daqueles a quem se destina). A imagem existe nos suportes que lhe dão corpo, relacionando-se: (1) com as possibilidades de leitura que esses suportes permitem ou sugerem; (2) com outras linguagens que lhes estão próximas; (3) com outras imagens que os leitores viram ou conhecem. A imagem fixa a atenção em personagens ou episódios. Enfatiza momentos de uma narrativa. Confere estatuto ao próprio suporte, pela sua elaboração ou riqueza. Finalmente, a Ver e ler