Marco Aurelio Meditacoes, nasceu em 26 de abril de 121 e foi imperador romano desde 161 até sua morte em 17 de Março de 180. Seu nome de nascimento é, na verdade, Marco Ânio Catílio Severo. Em seguida, tomou o nome de Marco Ânio Vero pelo casamento. Somente ao ser ser designado imperador, mudou o nome para Marco Aurélio Antonino, acrescentando-lhe os títulos de Imperador, César e Augusto. Aurelius significa "dourado", e a referência a Antoninus deve-se ao facto de ter sido adotado pelo seu tio e imperador Antonino Pio. O imperador Antonino Pio designou Marco Aurélio como herdeiro em 25 de Fevereiro de 138 (pouco depois de ele mesmo ter sucedido ao imperador Adriano). Marco Aurélio tinha, então, apenas 17 anos de idade. Antonino, no entanto, também designou Lúcio Vero como sucessor. Quando Antonino faleceu, Marco Aurélio subiu ao trono em conjunto com Vero, na condição de serem coimperadores Augusto. Não se sabe ao certo os motivos da sucessão conjunta, mas especula-se que pode ter sido motivada pelas cada vez maiores exigências militares que o Império atravessava. Durante o reinado de Marco Aurélio, as fronteiras de Roma foram constantemente atacadas por diversos povos: na Europa, germanos tentavam penetrar na Gália; e na Ásia, os partos renovaram os seus assaltos. Sendo necessária uma figura autoritária para guiar as tropas, e não podendo o mesmo imperador defender as duas fronteiras simultaneamente. Sendo assim, Marco Aurélio teria resolvido a questão enviando o co-imperador Vero como comandante das legiões situadas no Oriente. Vero era suficientemente forte para comandar tropas, e ao mesmo tempo já detinha parte do poder, o que certamente não o encorajava a querer derrubar Marco Aurélio. O plano deste último revelou-se um sucesso-Lúcio Vero permaneceu leal até à sua morte, em campanha, no ano 169. Marco Aurélio casou-se com Faustina, a jovem, filha de Antonino Pio e da imperatriz Faustina, a Velha, em 145. Durante os seus trinta anos de casamento, Faustina gerou 13 filhos, entre os quais Cômodo, que se tornou imperador após Marco Aurélio, e Lucila, a qual casou com Lúcio Vero para solidificar a sua aliança com Marco Aurélio. O imperador faleceu em 17 de março de 180, durante uma expedição contra os marcomanos, que cercavam Vindobona (atual Viena, na Áustria). As suas cinzas foram trazidas para Roma, e depositadas no mausoléu de Adriano. Diz-se que, com a morte de Marco Aurélio, também foi a morte da Pax Romana (paz romana), período de relativa paz, instaurado em 27 a.C. por Augusto César, no qual a população romana viveu protegida do seu maior receio: as invasões dos bárbaros que viviam junto às fronteiras. Porém, nem as misérias, nem as inúmeras calamidades que se desencadearam sobre o Império, nem as constantes lutas contra os bárbaros que incessantemente planejavam invadir, e invadiam, Roma, nem as desgraças familiares puderam debilitar aquela inteligência e aquela vontade presente no imperador. Essa é uma característica marcante nesse imperador-filósofo, que manteve sempre sua honra, sua bondade e seu senso de justiça. Em meio a tudo isso, Marco Aurélio escrevia reflexões pessoais para si mesmo, repletas dos mais altos códigos morais, aproveitando os momentos livres que lhe deixavam suas campanhas, como uma fonte para sua própria orientação e para se melhorar como pessoa. Provavelmente, ele não teve a intenção de publicar seus escritos, cujo título inicial foi Solilóquios, ou A mim mesmo. Os escritos apresentam bem as ideias estóicas que giram em torno da negação de uma emoção, de uma habilidade, que, segundo o imperador, libertarão o homem das dores e dos prazeres do mundo material. A única maneira de um homem ser atingido pelos outros seria se ele permitisse que sua reação tomasse conta de si. Marco Aurélio não mostra qualquer fé religiosa em particular nos seus escritos, mas parecia acreditar que algum tipo de força lógica e benevolente organizasse o universo de tal maneira que até mesmo os acontecimentos "ruins" ocorressem para o bem do todo. Posteriormente, foi intitulado, "Meditações" e é, com certeza, uma das mais célebres obras da humanidade.
Meditações - Marco AurélioEsta obra de Marco Aurélio Antonino (121 d.C.-180 d.C.) é um texto peculiar em mais de um aspecto. Em primeiro lugar, não é propriamente uma obra literária ou losó ca na acepção especí ca e técnica dessa expressão, mas sim uma espécie de diário em que alguém registrou re exões endereçadas a si mesmo, e não intencionalmente a leitores. Embora o título Meditações tenha se consolidado e se consagrado e seja, admitimos, precisamente o que o autor realiza -isto é, ele medita -, o nome original TΩΝ ΕIΣ ΕAYTOΝ ([Re exões] para si mesmo) indica explicitamente o caráter de privacidade e até intimista desses escritos. O visível tom de autoadmoestação, autocrítica, con ssão e, por vezes, desabafo perpassa todas as seções dos doze livros que compõem o conjunto de re exões, sugerindo o cunho estritamente pessoal de um diário atípico que não era para ser publicado. É de se presumir, todavia, que o manuscrito tenha saído do círculo privado do entourage de Marco Aurélio e do controle de seus descendentes por ocasião de sua morte, em 180 d.C. O fato é que uma cópia foi preservada. De qualquer modo, foi somente depois de muitos séculos, em meados do século XVI, que esse manuscrito caiu nas mãos de um editor que decidiu publicá-lo. Os pormenores em torno dessa questão não nos interessam aqui. Em segundo lugar, a nosso ver, Meditações não é, o que já se depreende da primeira peculiaridade, um ensaio ou tratado losó co. Ainda que seja um expressivo repositório de máximas losó cas, não é uma obra de loso a, se entendemos por esta um texto que expõe uma doutrina losó ca especí ca e própria. Acreditamos que Marco Aurélio não foi exatamente um lósofo estoico, mas sim um estoico, uma vez que levou à prática e em larga escala os princípios da doutrina estoica, tanto no âmbito pessoal como, na medida do possível, em sua intensa e árdua atividade como governante do Império Romano. Os princípios que inspiraram Marco Aurélio, esse imperador invulgar, como homem e romano estão obviamente disseminados nestas Meditações, expressos de maneira concisa, clara e reiterada. O que captamos de suas ponderações é o que podemos chamar, grosso modo, da mais pragmática versão romana do estoicismo grego, sediada, sobretudo, em Epiteto. Para Marco Aurélio, a loso a se reduz, a rigor, áquilo que Aristóteles classi cou como ciências práticas , especialmente a ética, a política e a retórica. A maior importância da ética é claramente destacada, já que a prática das virtudes (ἀρεταί [aretaí]), não só das ditas clássicas -sabedoria (φρόνεσις [phrónesis]), justiça (δικαιοσύνη [dikaiosýne]), moderação (σωφροσύνη [sophrosýne]) e coragem (ἀνδρεία [andreía]) -como também das caracteristicamente estoicas -impassibilidade (ἀπάθεια [apátheia ]), simplicidade (ἁπλότης [haplótes]), benevolência (εὐμένεια [eyméneia]), espírito comunitário (κοινωνία [koinonía]) e resignação ou aceitação (συμφρόνεσις [symphrónesis]) -, é o fundamento da existência de todo e qualquer indivíduo. Sob esse ângulo, o estoicismo, segundo Marco Aurélio, constitui uma forma de loso a da práxis ou pragmatismo (πράξις [prâxis], ação; πράγμα [prâgma], aquilo que se faz), em que não há espaço nem motivo para nos ocuparmos das ciências teóricas ou especulativas, no dizer de Aristóteles, como a metafísica (ontologia). No entanto, se para o mestre do Liceu a ética estava subordinada à política, para o estoico Marco Aurélio, é o oposto: foi do homem que praticava as virtudes que nasceu o estadista que governou o Império. E quanto à religião? Não confundamos religião com metafísica. Particularmente na Antiguidade, ainda que isso também atinja a Idade Média, o vínculo entre religião e política é estreito. Apesar das alterações que efetivamente implantou em Roma e em todo o Império, Marco Aurélio não produziu nenhuma revolução (no sentido mais abrangente da palavra) na estrutura do mundo romano, em suas instituições e valores. Para ele, a religião era a religião do Estado (πόλις [pólis]), como o fora nas cidades-Estados gregas (Atenas, Esparta, Creta, etc.). • • Essa concepção se opõe ao pensamento estoico? De modo algum. O estoicismo, para arriscarmos o emprego de um termo talvez impróprio ou intempestivo, é uma doutrina materialista e panteísta. O estoico não reconhece um deus como poder supremo, absoluto, transcendente e inacessível à razão humana. O universo, o Todo (ὅλος [hólos]; πᾶν [pân]) imanente é "Deus", e os deuses da religião politeísta romana são suas emanações visivelmente representadas pelas artes sob a forma humana. Marco Aurélio, portanto, recomenda insistentemente a devoção religiosa (ὁσιότης [hosiótes]) ou o culto aos deuses (θεοί [theoí]) do Estado. Aconselha, ainda, o culto e acato, em nível individual, ao δαίμων (daímon), que traduzimos nesta obra como "divindade tutelar". Outro aspecto religioso: a Providência (πρόνοια [prónoia]) procede do universo e se conjuga com a natureza (φύσις [phýsis]). As questões metafísicas favoritas da loso a clássica, particularmente da loso a platônica, estão evidentemente ausentes, como a imortalidade da alma (ψυχή [psykhé]) individual e a metempsicose. Para o estoicismo, nós, indivíduos, somos partículas desintegradas e destacadas do universo (o Todo); ao morrermos, tudo o que se pode esperar é que sejamos, com a extinção da individualidade, reintegrados e reabsorvidos no universo. O estoicismo também envolve ceticismo, o que se pode veri car em várias passagens das Meditações: a ideia é que não é possível ter certeza da existência dos deuses, mas nem por isso devemos deixar de venerá-los. O que parece aqui ser um paradoxo, ou até um contrassenso, é justi cado graças ao pragmatismo, pois é útil e conveniente venerá-los já que são os deuses da religião o cial do Estado. A postura losó ca, por assim dizer, de Marco Aurélio está sintetizada em três princípios a serem seguidos: Prática das virtudes (o que signi ca total repúdio aos vícios e ao mal em geral), incluindo particularmente a resignação diante de todos os fatos e acontecimentos, o acatamento do que é determinado pela Providência e pela natureza, a impassibilidade e indiferença quanto às coisas mundanas (prazeres, dores, riqueza, glória, poder, honrarias, etc.) e a benevolência para com todos. Devoção religiosa, culto aos deuses e divindades tutelares e obediência às leis. • Em todas as ações virtuosas, ter em vista sempre o interesse da comunidade e não o individual; o indivíduo existe enquanto membro da comunidade e não isoladamente. Como a rmamos no início desta apresentação, o que se apreende como mais importante na personalidade de Marco Aurélio e que se impõe como marca de grandeza e coerência é o fato de ele ter sido estoico e não simplesmente um lósofo ou teórico do estoicismo. Durante sua vida, praticou largamente os princípios da loso a de que se tornou adepto, com aqueles com os quais conviveu, isto é, familiares, parentes, escravos, assessores, subordinados de toda espécie, generais, soldados, representantes de outras nações, amigos e… inimigos. Em uma das reprimendas que dirige a si mesmo nas Meditações, ele diz: "Não se trata mais, em absoluto, da discussão em torno do que deve ser o homem bom, mas sim de ser o homem bom" (Livro X, meditação 16). A benevolência e a compreensão de Marco Aurélio diante das fraquezas humanas se manifestaram em inúmeros ensejos, como quando se dispôs a perdoar Avídio Cássio (o cial do exército e governador das províncias do leste do Império), que, tendo pressuposto sua morte, apressou-se em declarar-se imperador; sua tolerância e indulgência se revelaram inesgotáveis com seu lho Cômodo, debochado e irresponsável; ou ao lidar com seu irmão adotivo Lúcio Vero, super cial, licencioso e irresponsável. Sensível à condição precária da plebe romana e dos habitantes pobres das províncias, Marco Aurélio reduziu seus tributos e perdoou dívidas com o Estado dos cidadãos não pertencentes ao patriciado. Preocupado com a formação da mulher, criou uma subvenção especial do Estado garantindo a instrução de meninas de famílias carentes. Embora não tenha abolido os combates sangrentos do circo romano, estabeleceu regras a serem aplicadas para reduzir sua brutalidade. Chega a ser um paradoxo sublime que o homem mais poderoso do mundo ocidental daquela época jamais tenha sido seduzido pelo poder para humilhar e esmagar os menos fortes e os fracos. Marco Aurélio consideravase, na verdade, o maior servo do Império Romano, e administrá-lo para ele era um dever e uma missão, ainda que fosse um pesado fardo. Esta tradução foi feita com base no texto grego. Para tanto, servimo-nos do texto estabelecido por Ioannes Stich, publicado pela Teubner. Adicionamos notas que, como apêndices da tradução, procuram suprir prontos esclarecimentos e informações básicas ao leitor. Tais notas têm caráter histórico, mitológico, losó co, literário e linguístico. Algumas ressaltam sentenças losó cas que nos parecem especialmente importantes. Ademais, para facilitar a compreensão de alguns trechos, zemos acréscimos que destacamos entre colchetes. Esta obra de Marco Aurélio não é um texto técnico de loso a, que procura expor exaustivamente um sistema losó co. Por essa razão, não entendemos haver necessidade de acrescer muitas notas explicativas com relação a esse tema. No registro dos nomes próprios, não utilizamos um padrão in exível. Assim, ao indicar nomes completos, escrevemos, por exemplo, Annius Verus, em vez de Ânio Vero; Domitia Lucilla, em vez de Domícia Lucila; Gaius Julius Caesar, em vez de Caio Júlio César; Fabius Catullinus, em vez de Fábio Catulino; Publius Cornelius Scipio, em vez de Públio Cornélio Cipião. Desse modo, buscamos manter a propriedade das designações latinas. Quando indicamos apenas o prenome, escrevemos simplesmente Vero, Lucila, César, Tibério, Lépido, etc. Cientes de nossas limitações, solicitamos ao leitor, razão de ser de nosso trabalho, que que à vontade para enviar críticas e sugestões à editora com a nalidade de contribuir para reti cações e aprimoramentos de...