Após alguns contatos prévios, padre Vicente de Valverde encontrase com Atahualpa, liderança Inca, para falar-lhe de seu deus cristão. Baseado na fé do espanhol, o diálogo tem como objetivo principal fazer com que o Inca renuncie a seus deuses e aceite, como seu único senhor, o deus cristão, assim como também preste vassalagem a Dom Carlos, imperador espanhol (CORNEJO POLAR, 2004). Atahualpa, por sua vez, questiona tal pedido e pede provas do que foi dito pelo outro. Este diálogo, é importante ressaltar, não foi feito de maneira direta, pois Atahualpa não falava espanhol, e nem os espanhóis a língua Inca. Havia, porém, um tradutor que atuava como ponte entre os dois mundos, mas a eficácia de seu trabalho neste encontro é, no mínimo, duvidosa. Além disso, as diferenças culturais em relação à concepção de mundo afetam diretamente o "diálogo", tornando inaceitáveis e desrespeitosas as reações de um para com o outro. Apesar da dificuldade de comunicação, o 'diálogo' prossegue com Valverde, que está munido de uma prova, a seu ver, irrefutável da existência e do poder deste deus: a bíblia. Apesar de ser um livro amplamente conhecido ao redor do mundo, a obra escrita que traria narrativas sobre o deus cristão e seu filho, para o Inca, era algo completamente inusitado-principalmente no meio de um diálogo 1. Para a cultura Inca 2 , baseada na oralidade e não familiarizada com a escrita sob os moldes europeus, receber um livro como resposta a uma questão é bastante inesperado. Contudo, ao receber o objeto, o Inca busca entender como aquilo pode sanar suas dúvidas. 1 Aqui, refiro-me ao contexto oral-familiar para o indígena. 2 Não só para a cultura Inca, mas também para inúmeras outras nações indígenas, a oralidade era a base da comunicação. O registro de informações existia, mas diferentemente da concepção Ocidental: muitas nações indígenas muniam-se de símbolos desenhados ou pintados para conservar batalhas, eventos ou até mesmo mitos (cf. THIÉL, 2012; WONG, 1992). Provavelmente, para agregar veracidade a esta escrita documental, Esdras provém os leitores com detalhes do ocorrido em um determinado tempo e local, compondo uma verdadeira crônica, no sentido mais amplo do termo. Esdras fornece a seus leitores nomes dos personagens envolvidos, sua linhagem, sua função no evento, a razão de sua função, seu local de moradia, os clãs aos quais pertenciam, seus parentes, números e posições exatas das pessoas no local. Há tantos detalhes que, por vezes, nos perdemos em meio a tanta informação. Contudo, é possível entender o porquê desta forma de escrita, uma vez que os pormenores eram relevantes à época deste registro. Mais adiante, na Idade Média, a crônica era comumente produzida sob encomenda dos reis, que, antes da imprensa e do jornal, encarregavam alguns de seus súditos de registrar a memória coletiva da época. Eduardo Coutinho descreve este cronista histórico como aquele que registrava fatos importantes que motivaram mudanças relevantes na vida social, sendo, portanto, o precursor do historiador moderno (COUTINHO, 2006). Inicialmente, acreditava-se que a escrita de 7 Disponível em http://www.azpmedia.com/espacohistoria/index.php/cronica-de-d-joao-Talvez pela riqueza em detalhes ou por sua extensão, a crônica sobre D. João I é considerada, em Portugal, não somente como uma crônica, no sentido mais amplo do termo, mas sim como um livro de história 9. Esta-i/i-o-rei-de-castela-nao-aceita-a-regencia-e-senhorio-da-sogra. Acesso em 24/11/2019.