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Os livros chatos

1996

Abstract

Convidaram-me há tempos para participar num debate sobre a leitura de livros chatos, e logo me vi confrontado com uma questão que não se me impunha quando ouvia alguém classificar como chato um determinado texto ou o seu autor: afinal, que vem a ser um livro chato? Todos sabemos o que significa chato como substantivo ou como adjectivo, quer implique uma pessoa, um insecto ou uma coisa, e se não sabemos ao certo em que momento a palavra «chato» começou a designar o que é maçador, enfadonho, inoportuno ou importuno, designação que aparece tarde, quando aparece, nos nossos dicionários, é fácil perceber como se chegou a eia tendo em conta o que faz ao corpo humano o bichinho que se chama Phtirius pubis (e que Albino Lapa achava que se pegava ao homem «quando tem relações intimas com uma mulher pouco asseada»), e tendo em conta o étimo grego ou latino: da noção de «largo, estendido» ou de «plano, rasteiro» passou-se, sem violência semântica ou simbólica, para a noção de «distituído de elevação» moral ou intelectual e para a de «deselegante», «inconveniente» e «incómodo». E também todos sabemos o que é um livro; pela matéria ou pelo material de que é feito, pela forma ou pelo formato, pelo conteúdo, pela estética, pela função, distinguimos perfeitamente um livro brochado, um livro de ficção, um livro didáctico, um livro de bolso, um incunábulo, ou mesmo um videolivro, um livro branco e um livro de ponto. Mas só vagamente, subjectivamente, poderemos falar num livro chato. Aliás, para esta espécie de livro faltam estudos que abundam a respeito de outras espécies. E não conheço qualquer teoria geral dos livros chatos. O que conheço, e em português (do Brasil), é o Tratado Geral dos Chatos, elaborado por Guilherme Figueiredo. Só que não há nesse higiénico tratado nenhum capítulo dedicado aos livros