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Música popular, cidade e patrimônio

Abstract

Você é o que passa e deixa seu rastro o lugar imantado do fato de que nele você tenha estado Ana Martins Marques Profundas transformações sociais e culturais na segunda metade do século XX afetaram as formas de pensar, preservar e difundir o patrimônio, provocando o alargamento dessa noção e a redefinição de seu sentido social. A música popular, fenômeno cultural profundamente associado às transformações sociais e hibridações culturais que configuraram as cidades no contexto da modernidade, foi também objeto desse alargamento, deixando de ser percebida apenas como produto da liquefação operada no mercado, expressão impura e indigna de reconhecimento como arte ou tradição. Do mesmo modo que foi do fundo de quintal para o Municipal, foi das espeluncas aos museus. Venho conduzindo uma investigação 1 sobre o Museu Clube da Esquina (MCE) 2 , museu digital dedicado a preservar e divulgar a produção artística e as memórias associadas aos músicos a que seu nome remete. Sua sede física será instalada num antigo prédio integrado ao Circuito Cultural Praça da Liberdade, em Belo Horizonte 3 . O museu também articula simbolicamente num "roteiro", através de placas e textos 4 , certos espaços da cidade, como o Edifício Maletta, o Edifício Levy e a própria esquina freqüentada pelos membros no bairro Santa. Teresa. Processo parecido ocorre na cidade natal dos Beatles, Liverpool, em pontos 2 como Penny Lane, Strawberry Field ou o bar Cavern Club. Uma análise comparativa apresentou-se como possibilidade valiosa para a pesquisa. Considerando que esses lugares constituem patrimônio urbano e são apropriados de diversas maneiras, proponho aqui investigá-los através de relatos de citadinos ou turistas, procurando compreender como participam da construção simbólica dos lugares e de que modo interagem com a narrativa oficial. Tomo como premissa que "Cada ato de reconhecimento altera as sobrevivências do passado (...) A interação com um patrimônio continuamente altera sua natureza e contexto, seja por escolha ou por acaso" (LOWENTHAL, 1985, p.263). Como nota este autor, essas mudanças podem ser perturbadoras. Se há necessidade de perceber o passado como "estável" para legitimar uma tradição e confirmar identidades, como lidar com um passado que é fluido e alterável? Reconhecer que se formam narrativas diversas sobre os lugares tem, portanto, implicações diretas sobre a política de patrimônio, uma vez que esta precisa dar conta disso ao invés de varrer as dissonâncias para debaixo do tapete. Não se pode esquecer que os museus, as práticas e as políticas de patrimônio são afetados por fluxos que conformam o espaço e o tempo, como a conversão da cultura em mercadoria, a espetacularização da memória e as requalificações urbanas. Nestas confluências pretendo refletir sobre as relações entre canção popular, cidade e patrimônio