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Elizabeth Bishop e os intermináveis anos 1960

Abstract

Elizabeth Bishop disse, em 1964, que Raymond Aron foi a única pessoa que entendia as coisas que se passavam no Brasil. Na mesma carta, ela sugere ao interlocutor, Robert Lowell, que "pergunte à Hannah Arendt!", ela dirá que sim, "se ela sabe alguma coisa sobre o Brasil". Vamos por partes. Raymond Aron tinha presença regular nos meios intelectuais brasileiros naquele período. Ele escrevia para a imprensa brasileira e seu livro, O ópio dos intelectuais, saiu aqui, em 1959, sob o título de Mitos e Homens. Aron teve uma conexão com alguns participantes do ISEB, o Instituto Superior de Estudos Brasileiros, pois veio ao Brasil, em 1962, e deu uma palestra no Rio de Janeiro, na Faculdade Nacional de Filosofia. A Folha de São Paulo registrou um trecho da fala dele: A luta de morte entre esquerda e direita só ocorre nos países ainda não desenvolvidos, onde o desenvolvimento se confunde com problemas políticos e sociais e o grau de intensidade das lutas ideológicas aumenta em consequência de suas próprias divergências. 1 A frase de Aron, um conhecido crítico do marxismo, mostra-se atual até hoje. A polarização política no Brasil da época era intensa. Fala-se muito na força da esquerda, na época, mas muitos intelectuais de destaque naquele período não se filiavam ao marxismo: Álvaro Vieira Pinto, Guerreiro Ramos, Djacir Menezes, Hélio Jaguaribe, Paulo Freire e muitos outros. Vieira Pinto não se alinhava com as esquerdas e era francamente hostilizado por elas, pois defendia ideias nacionalistas e desenvolvimentistas e recusava o enfoque marxista, revolucionário. Guerreiro Ramos nunca poupou críticas aos marxistas e comunistas, a quem gostava de chamar de "sectários", prisioneiros da "servidão intelectual" do "marxismo-leninismo'. Paulo Freire, em seus dois primeiros escritos, Educação e Atualidade Brasileira, de 1959, e Educação como Prática de Liberdade, de 1965, não era marxista. Ele citava, com aprovação, críticos do marxismo, como Karl Popper, Zevedei Barbu, Tristão de Athayde, Guerreiro Ramos e Vieira Pinto. A partir de 1964 a coisa toda muda. Como sugere Zuenir Ventura, os anos 1960 não terminam de terminar. Miguel Arão lembra que, nos anos 1960, havia setores dedicados à causa da democracia, e havia também segmentos que não eram "apaixonados pela democracia", que levantavam bandeiras que iam além da 1 Folha de S. Paulo, dia 15.09.1962, p. 19.