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Novo livro de Nuno Ramo faz teatro sem palco

2017, Folha de São Paulo 20/08/2017

Abstract

Que palavra!, repetem sucessivamente as vozes que ouvimos em "Adeus, Cavalo", admiradas diante de algum vocábulo que acabam de proferir. Porém, mais do que um elogio aos encantos sensíveis ou ao preciosismo de certos achados de linguagem, esse refrão aponta para o lugar preponderante que o teatro ocupa no mais recente livro de Nuno Ramos. Ao seguirmos aquele corpo-refrão, como ao lermos a palavra "cavalo" que percorre em caixa alta todo o texto em diversas configurações, temos de lidar com a potência heterogênea da fala, na qual pensamos montar como em um cavalo, mas que nos derruba o tempo todo, leva-nos de volta ao mesmo ponto ou aos lugares mais inesperados. Ecoando experiências de livros como "Ó", em que se postulava uma peculiaríssima "teoria da inexpressividade" (na qual um teatro feito de frases podia durar dias ou semanas), estamos agora diante de uma espécie de encenação para ser lida, em cujos curtos e densos atos assistimos aos desdobramentos da fala de um velho ator entrevistado por um repórter. Não um texto dramatúrgico, mas uma experiência de leitura cindida entre réplicas organizadas de modo coral e uma gestualidade física inscrita por meio de rubricas que acionam uma imaginação visual. Cisão que é reposta justamente pela apresentação do verdadeiro protagonista: a voz ou as vozes. Todo o jogo cênico é partilhado entre uma discreta e algo oblíqua voz narradora, colocada no mesmo nível das rubricas; a voz do velho, que em boa parte do tempo lê textos cuja origem narrativa é em si escapadiça e movediça; e a incorporação de três outras vozes-personagens, as de Procópio, Ungaretti e Nelson Cavaquinho. É o próprio velho quem ressalta sua capacidade de "recebê-las em seu corpo incomum" de ator, que logo após um espetáculo desenrolado em uns poucos e opacos gestos, passa o resto do tempo entre uma banheira e seu quarto, com o repórter por acompanhante. Chegamos então a uma tensão decisiva: o espaço e o tempo concretos podem ser limitados, mas o fluxo da voz é aberto e proliferante. "Sou um