A cultura nos faz acreditar que os atos simples não precisam ser avaliados. Um homem urinando em outro diante de uma câmera, eu não julgo Ah, mas Kant disse que julgar é o que podemos alcançar de mais sublime Eu vou te responder, eles dois estão sorrindo Ah, mas sorrir é falso, é estética pura, é convencimento, é luxúria Então eu vou te apontar a saída, vai lá, saia Ah mas você devia ser mais democrático, devia dialogar mais com as diferenças, devia carregar a mala Devia ser mais honesto com a ciência, e ler ao menos um pouco de física, de matemática Devia ao menos ler a bula da comida, devia concordar com Derrida sobre a mentira Você devia ao menos ter acenado positivamente, categoricamente, devia ter visto o eu, o nós, o vós Devia ter feito um poema enquanto votava. Devia ter votado na Alemanha de 1933, devia ir lá e votar, aquele voto maroto, de zoeira, que você faz com alegria, devia rir, como aqueles dois homens envolvidos com a urina Eu não devia te responder, estou apontando a porta dos fundos, da rua e dizendo saia de mim Ah, mas responder é a saída? Saia de mim? Um exorcismo? O que você vai dar ao outro, quantos compartimentos você tem? De quantas coisas você pode falar?! qual o caminho da tua afetividade irmão? Quantas rotas, quantas palavras, que tipo de castelo você quer para o rei? E o rei não é você. Não precisa ter o rei, é só sair por aquela porta, só ir, que a história te acompanhe, ela vai mordendo teu calcanhar Sentiu a dor nos pés? É a história te mordendo, mordendo teus passos, para onde você vai, e para onde você for vai estar lá o pôster do fascismo. Uma bota te convidando para a festa. E você vai, é o mesmo, o mesmo, o mesmo barco sem rota, sem comando, você olha e deseja um comando, você espera um comando, você é um animal preparado para entrar em pânico diante de homens se urinando mutuamente em um vídeo da internet, você sabe o que Kant diria, você fecha os olhos, você respira