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Cultura e Literaturas Africanas e Afro-Brasileira

Abstract

Aconteceu num debate, num país europeu. Da assistência, alguém me lançou a seguinte pergunta: -Para si, o que é ser africano? Falava-se, inevitavelmente, de identidade versus globalização. Respondi com uma pergunta: -E para si, o que é ser europeu? O homem gaguejou. Não sabia responder. Mas o interessante é que, para ele, a questão da definição de uma identidade se colocava naturalmente para os africanos. Nunca para os europeus. Ele nunca tinha colocado a questão ao espelho. Recordo o episódio porque me parece que ele toca uma questão central: quando se fala de África, de que África estamos falando? Terá o continente africano uma essência facilmente capturável? Haverá uma substância exótica que os caçadores de identidades possam recolher como sendo a alma africana? Leila Leite Hernandez conhece a resposta. Ou melhor, a impossibilidade da resposta. Afinal, é a própria pergunta que necessita ser interrogada. São os pressupostos que carecem ser abalados. E onde se enxergam essências devemos aprender a ver processos históricos, dinâmicas sociais e culturas em movimento. A África vive uma tripla condição restritiva: prisioneira de um passado inventado por outros, amarrada a um presente imposto pelo exterior e, ainda, refém de metas construídas por instituições internacionais que comandam a economia. A esses mal-entendidos somou-se uma outra armadilha: a assimilação da identidade por razões da raça. Alguns africanos morderam essa isca. A afirmação afrocentrista sofre, afinal, do mesmo erro básico do racismo branco: acreditar que os africanos são uma coisa simples, uma categoria uniforme, capaz de ser reduzida a uma cor de pele. Ambos os racismos partilham o mesmo equívoco básico. Ambos se entre ajudaram numa ação redutora e simplificadora da enorme diversidade e da complexidade do continente. Ambos sugerem que o "ser" africano não deriva da história, mas da genética. E no lugar da cultura tomou posse a biologia. Outro lugar-comum nesses exercícios de dar rosto ao continente africano é o peso concedido à tradição. Como se outros povos, nos outros continentes, não tivessem tradições, como se o passado, nesses outros lugares, não marcasse o passo do presente. Os africanos tornam-se, assim, facilmente explicáveis. Basta invocar razões antropológicas, étnicas ou etnográficas. Os outros, europeus ou americanos, são entidades complexas, reservatório de relações sociais, históricas, econômicas e familiares. Leila Leite Hernandez esteve atenta a todo este universo de equívocos. Seu texto percorre esse mar de enganos e constituise como um permanente alerta. Como ela escreve a dado 1 IN: HERNANDEZ, Leila Leite. Prefácio para o livro A África em sala de aula-visita à história contemporânea.