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Apresentação: Democracias Neoliberais na América Latina

2018, Revista Sul-americana de Ciência Política

Abstract

Às vésperas de 2019, não seria exagero afirmar por ocasião da abertura do presente Dossiê, que as democracias liberais se encontram em uma crise sem precedentes, tanto no norte quanto no sul global. Extrapolando a discussão sobre o déficit de representação e o papel dos partidos políticos travada desde os anos 1990, as motivações para a agonia do modelo democrático hegemônico desde o final da Guerra Fria não são necessariamente encontradas no interior da política, provocando a Ciência Política a rever e reformular algumas de suas bases científicas enquanto disciplina autônoma. Uma delas está relacionada ao reconhecimento de que o fenômeno relacionado ao colapso das democracias liberais contemporâneas, seja no Ocidente imperial ou colonizado, encontra parte de suas origens em variáveis exógenas ao campo político e nacional per se, representando ao mesmo tempo um esgotamento dos discursos, identidades, sociabilidades, instituições, organizações e enquadramentos que lhe oportunizaram historicamente. A crise da democracia liberal talvez seja melhor compreendida como uma crise maior relacionada às profundas transformações sociais do mundo político, econômico e cultural.

Key takeaways

  • Em outras palavras, ou o conceito de pósdemocracias é aplicável à América Latina desde os anos 1980 e 1990 ou sua utilização é inadequada pela incompletude ou precariedade de sua pendular busca pela auto-realização democrática.
  • Assim, os anos 1980 podem ser considerados como a década da redemocratização e do aprofundamento da crise econômica; a década seguinte, como a expressão da consolidação institucional de certas democracias, em meio ao choque neoliberal promovido por vários governos da região; em seguida, o momento pós-neoliberal dos anos 2000, denominado pela literatura especializada como "Maré Rosa" ou "Left Turn", representado pela ascensão de governos de (centro) esquerda que promoveram políticas nacionais de distribuição de renda e diminuição das desigualdades; e, por fim, os anos de 2010 inauguram um novo ciclo de reação conservadora e intensificação neoliberal, mediante à ruptura e fragilização de princípios democráticos em diferentes países da América do Sul e Central.
  • Observando as dificuldades da autodeterminação democrática nos aspectos minimalistas primordiais das democracias representativas liberais ocidentais, em um registro histórico suscetível ao cálculo antidemocrático sempre disponível às elites políticas e econômicas, a proposta do presente Dossiê foi a de provocar alguns debates, especialmente, de ordem teórica: é possível e desejável que as dimensões econômicas sejam apartadas das políticas para uma análise adequada das experiências democráticas e autoritárias na América Latina?
  • Tomando como realidade empírica a formação de uma onda global de desdemocratização, capaz de coabitar com experiências de democratização, a RSulACP convida à leitura dos artigos contidos neste número, dedicados a problematizar a inflexão democrática global, regional e nacional de diferentes maneiras.
  • Em linha semelhante, o texto de Luciana Maria de Aragão Ballestrin revisou o debate global sobre pós-democracias, observando as possibilidades de enquadramento do Brasil e da América Latina na onda global de desdemocratização, assim como os desafios analíticos e normativos por ela colocados à disciplina da Ciência Política.