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O ESCORBUTO NA ARMADA DE VASCO DA GAMA

2014, Revista da Ordem dos Médicos, Ano 30, nº 152, Julho-Agosto 2014, p. 80-81

Abstract

O escorbuto é conhecido desde a antiguidade, tendo sido descrito por Joinville no século XIII, endémico nos países do norte da Europa durante a Idade Média e principal causa de mortalidade nos navios de longo curso. Os sintomas iniciavam-se com fadiga, seguida de edemas dos membros e gengival, hemorragias, dores ósseas e articulares e diminuição da resistência a infecções virais. Associa-se a prevenção ou cura do escorbuto à decocção de folhas de pinheiro pelos índios americanos (viagem de Jacques Cartier à Terra Nova em 1535), à ingestão de sumo de limão (praticada pela tripulação de um navio inglês em viagem para a Índia em 1593) e laranja (segundo trabalhos do médico da marinha britânica James Lind no século XVIII); a doença é finalmente associada à carência de vitamina C ou ácido ascórbico, pelos estudos de Haworth e Szent-Gyorgyi, em 1932. No entanto, quando começamos a estudar mais atentamente alguma literatura portuguesa do século XVI, compreendemos que o escorbuto, para além de ser conhecido e descrito, foi inequivocamente relacionado com o processo de cura através do consumo de laranjas e limões, anos antes da descrição de Jacques Cartier. Atentemos pois, às descrições portuguesas sobre a doença. Após ultrapassar o Cabo da Boa Esperança e a extremidade sul do continente africano em Janeiro e Fevereiro de 1498, a frota comandada por Vasco da Gama inicia a derrota ao longo da costa oriental de África, rumo a norte, até alcançar a costa de Moçambique. Ao longo deste percurso começa a grassar a doença entre os marinheiros, tal como nos descreve primorosamente Camões: que de doença crua e feia, A mais, que eu nunca vi, desampararam Muitos a vida, e em terra estranha e alheia Os ossos para sempre sepultaram. Quem haverá que sem o ver o creia? Que tão disformemente ali lhe incharam As gengivas na boca, que crescia A carne, e juntamente apodrecia. Apodrecia c'hum fétido e bruto Cheiro, que o ar vizinho inficionava: Não tínhamos ali medico astuto, Cirurgião subtil menos se achava;