Nos dias que correm, parece que o mundo está prestes a se tornar uma grande área urbana. As estatísticas das Nações Unidas, em especial da UN-Habitat, são claras: mais e mais pessoas vivem em cidades, mais de 50% da população mundial, uma percentagem destinada a aumentar até aos 70% já nesta primeira metade do século XXI (VÉRON, 2006). As cidades se tornam cada vez maiores, especialmente em algumas regiões do mundo (América do Sul, China, Índia, África) e particularmente em países em desenvolvimento, onde a tendência para formar aglomerados urbanos cada vez mais numerosos e extensos é constante. Para lá do aspecto quantitativo, ainda que crucial num contexto de recursos planetários cada vez mais sobre -explorados e de uma crise ecológica sem precedentes, as transformações da cidade contemporânea, inúmeras e variáveis dependendo do contexto geográfico de referência, destacam-se especialmente pelo impato qualitativo que têm relativamente a um número crescente de pessoas. A maioria das questões que agitam a sociedade contemporânea reflete-se na dimensão urbana: crise financeira, aquecimento global, fenómenos migratórios, transformações da cidadania, busca de novas formas de governança, etc. O mundo torna-se uma grande cidade, como previsto pela melhor ficção científica, tornando-se uma cidade onnipolitana . Aproximamo-nos, assim, de um mundo de cidadãos (VÉRON, 2006). O retrato apenas delineado parece não deixar dúvidas quanto à fase urbana em que nos encontramos. Talvez o aspeto mais interessante a destacar dos vários elementos referidos é o de que conduzem a uma espécie de "retórica" no que concerne a era urbana atual. Se a cidade está agora no centro do debate público, cultural e científico, tal depende da afirmação da própria era urbana. Pode assim afirmar-se que a cidade triunfou (GLAESER, 2013), tornando-se uma das principais formas do viver em comunidade do nosso tempo. A esta retórica muitas vezes corresponde outra, em sentido oposto, ou seja, aquela da cidade como dimensão irremediavelmente perdida e nostalgicamente arrependida, isto é, a retórica do fim da cidade 41 . A ideia de que estamos numa fase de afirmação plena e completa de uma era urbana não é incontestada. O problema é, essencialmente, o da definição do que é cidade e do que é urbano, e o que não deve ser inscrito nessas categorias, que não devem ser in-41 Cf. em senso crítico Petrillo , que denuncia a perda da dimensão autenticamente política da cidade, ou ainda, em termos urbanísticos, Benevolo (2011). Trata-se, de todo o modo, de um dos principais 'contos' acerca da cidade do século XX, juntamente com os da expansão e relação entre cidade, indivíduo e sociedade (SECCHI, 2005).