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Paralelo ao Amor de Perdição

Abstract

Resumo: Embora tenha se singularizado como romancista, Camilo Castelo Branco, ao longo da sua extensa e variada produção literária, elaborou, paralelo ao texto ficcional, um discurso crítico, que aponta para uma poética acerca da ficção narrativa. Com efeito, o texto camiliano assume uma postura metaficcional, em que a ficção se celebra enquanto ficção, pautando-se pela reflexão crítica acerca dos modos de criação literária, sobre as complexas relações dessa criação com o público, bem como sobre os modos literários que lhe foram contemporâneos. Isto posto, o presente artigo pretende estudar o romance Amor de Perdição, verificando a manifestação do discurso crítico-teórico presente no interior dessa obra e a possível contribuição desse discurso para a formulação da concepção de romance e/ou literatura adotada por Camilo. Palavras-chave: Ficção, Metaficção, Amor de Perdição, Camilo Castelo Branco. Amor de Perdição é indubitavelmente a obra de Camilo Castelo Branco mais conhecida 1 , tendo-se disseminado entre o público e a crítica na mesma proporção que a figura do seu autor. O título e o nome Camilo Castelo Branco são tidos praticamente como sinônimos. Essa indistinção, cujo ponto de partida remonta à sua publicação (momento em que os desditosos amores de Simão e Tereza são lidos como a reprodução ficcional do conturbado relacionamento do romancista com Ana Plácido), é desdobramento da classificação dessa obra como exemplar antológico da novela passional e da reputação de Camilo como escritor romântico. Trata-se da equação representante típico e superior do ultra-romantismo português = escritor da quinta essência do lirismo passional, a saber: Amor de Perdição. Dessa equação, resultam os três principais critérios de análise desse romance, largamente cristalizados pela tradição crítica dos estudos camilianos: identificar e analisar, no Amor de Perdição, os elementos que o caracterizam como novela passional; explicitar nessa obra a relação existente entre os valores representados e atitudes assumidas pelas personagens com aspectos precisos da cosmovisão romântica; e, apreender os componentes que, na novela passional camiliana, apontam para a apropriação da atmosfera emocional do Romantismo português. Tais critérios, cumpre destacar, repousam na apropriação do texto camiliano a partir da sua camada superficial, restringindo-se a uma interpretação que considera apenas os aspectos essencialmente narrativos, nomeadamente a fábula das desventuras amorosas de Simão e Tereza/Mariana. Nas palavras de Carlos Reis, Amor de Perdição " manifesta uma extraordinária coesão e rapidez narrativa, originada pela ausência, quase total, de acontecimentos secundários ou descritos alheios à intriga principal " (1990, p. 88-89). Porém, esses aspectos mostram-se insuficientes para subsidiar uma leitura que leve em conta a complexa estruturação narrativo-discursiva do romance em questão. Inegavelmente, Amor de Perdição possui um enredo simples e sentimental. Entremeados pela introdução, que resume a narrativa, e pela conclusão, que a arremata, os seus vinte capítulos, orientados por uma progressão econômica e retilínea, inteiramente voltada para o desenlace, ocupam-se do trágico amor de Simão, Tereza/Mariana, franqueando a exaltação do lirismo passional e conseqüente apologia do estilo patético-sentimental romântico, recusando, a princípio, o baixo e o grosseiro da vida quotidiana. Entrementes, essa configuração é posta em causa pela 1 Amor de Perdição foi a obra mais traduzida do escritor do escritor de São Miguel de Ceide. Ademais, foi adaptada por diversas vezes para o teatro e o cinema.