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Música, cultura e nação

2007, Artefilosofia, Universidade Federal de Ouro Preto/IFAC

Abstract

Não me parece haver exagero em dizer que, de algum modo, passam pela música questões fundamentais para a compreensão da cultura brasileira. E nem é necessário, para sustentar a afi rmação, o recurso precipitado a frases de senso comum que se referem, genérica e superfi cialmente, à importância da nossa música popular como traço identitário, ao seu prestígio internacional, à sua adequação ao mercado globalizado de massa etc. Basta um exame atento de nossa história intelectual para perceber que a música marcou presença capital em movimentos vanguardistas do século XX e tem sido preocupação constante de importantes intérpretes atuais do Brasil. É exatamente nessa linha que pretende avançar este texto, refl etindo sobre o diálogo que alguns de nossos destacados escritores, poetas e críticos estabeleceram com o traço marcadamente musical da realidade brasileira; diálogo em que a música -ora uma metáfora, ora um objeto de análise -desponta como instrumento privilegiado para a leitura do país e de sua cultura. Distante do discurso tecnicista que freqüentemente a isola no meio acadêmico brasileiro, a música é aqui inserida numa ampla trama de relações culturais e torna-se ponto de articulações variadas a partir do qual podem se abrir novas perspectivas teóricas envolvendo as questões acerca da identidade nacional.

Key takeaways

  • É que Pestana nutria bem outros desejos em relação à música: sonhava com a arte de um Bach, de um Mozart, de um Beethoven, entre outros mestres, muitos deles retratados nas paredes de sua casa, os grandes autores das peças que deliciavam seus ouvidos de compositor e desafi avam suas mãos de pianista.
  • De um lado, ele é irremediavelmente estranho ao universo musical europeu, embora Flavio Barbeitas 129 este constitua o objeto do seu desejo como compositor; de outro, ele estranha o seu próprio contexto musical, enxergando apenas trivialidade no modo em que a música se realiza ao seu redor.
  • No caminho inverso, é exatamente o "populário" que pode garantir ao Brasil um atalho diante da impossibilidade de continuar a trilha européia e, pela via da originalidade, a formação de uma escola de composição digna de reconhecimento estrangeiro por oferecer ao conjunto da música universal um elemento que lhe falta.
  • No caso brasileiro, não há por que valorizar a música erudita já que não existe uma tradição sólida; não há por que rebaixar a música popular pelos motivos que José Miguel expõe e reproduzimos: 'a tradição da música popular [no Brasil], pela sua inserção na sociedade e pela sua vitalidade, pela riqueza artesanal que está investida na sua teia de recados, pela sua habilidade em captar as transformações da vida urbano-industrial, não se oferece simplesmente como um campo dócil à dominação econômica da indústria cultural que se traduz numa linguagem estandardizada, nem à repressão da censura que se traduz num controle das formas de expressão política e sexual explícitas, e nem às outras pressões que se traduzem nas exigências do bom gosto acadêmico ou nas exigências de um engajamento estreitamente con-amente concebido'.
  • A música que resulta desse processo não se pretende "brasileira" e tampouco é "popular" num sentido generalizante.