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Ulisses vs. Polifemo: vingança ou justiça?

2016, Artefilosofia

Talvez não seja errado dizer que o conceito de humanidade é concomitante à constatação, por nossos ancestrais mais remotos, de que havia uma diferença fundamental entre eles e as outras classes de seres que compunham o seu ambiente mais próximo, tais como as pedras, as plantas e os animais privados do dom da fala. Tanto é que mitologias das mais diferentes origens, em relatos sobre o aparecimento dos seres humanos, apontam, de algum modo, para a especificidade desses diante das outras coisas. Isso não impediu, no entanto, que, em narrativas posteriores à mencionada constatação, a auto-compreensão da humanidade enquanto diferente do restante dos seres se apresentasse como que entrelaçada ao ambiente natural que a circundava, o que durante muito tempo terá sido mesmo uma característica evidente em inúmeros relatos míticos. Um estágio ulterior dessa experiência, é a consolidação paulatina da crença de que a diferenciação entre humanos e não-humanos se dá especificamente pelo fato de que aqueles são dotados de racionalidade stricto sensu enquanto esses não o são. A consolidação desse ponto de vista, num processo longo e tortuoso, veio a desembocar na consciência da distinção entre relações humanas baseadas pura e simplesmente na força e aquelas mediadas pela razão enquanto âmbito através do qual a concórdia e a compreensão preferencialmente poderiam ser alcançadas e, onde isso não fosse possível, alguma forma de compensação seria proporcionada à parte ofendida numa contenda ou, na pior das hipóteses, seria infligida punição à parte ofensora.