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O vertiginoso fluxo da vida

221 " Todos os rios do mundo de Guimarães Rosa têm três margens. " (Paulo Rónai, " Os vastos espaços ") " Às vezes Guimarães Rosa escreve como quem está em estado de graça; 'A terceira margem do rio' é um desses casos. " (Walnice Nogueira Galvão, " Do lado de cá " , Mínima mímica) e um dos meios mais eficazes de se avaliar a qualidade de uma obra literária é de fato o teste da releitura, " A terceira margem do rio " é inegavelmente uma obra-prima. Cada nova leitura parece tão impactante quanto a primei-ra. Lida a última linha, uma mistura de forte emoção e grande perplexidade toma conta do leitor, o que tende a se repetir nas leituras seguintes. O mistério que envolve o conto, narrado em primeira pessoa, não impede que seu enredo seja relativamente simples. Um pai de família toma a inusitada decisão de passar a viver dentro de uma canoa no rio que corre ao lado de sua fazenda. A mãe se opõe e um dos três filhos pequenos, aquele que depois vai contar a história, se oferece para ir junto, mas o pai não o leva. A família e as pessoas do lugar se perguntam sobre os possíveis motivos de procedimento tão espantoso e incompreensível. Imaginam todos que o pai logo irá se arrepender, mas a falta de êxito se repete nas tentativas de fazer que ele volte para casa. Ainda que não desapareça de todo, ele não tem mais contato com os familiares. Sua sobrevivência parece garantida por aquele filho, que, com a ajuda velada da mãe, deixa mantimentos perto da margem do rio. Os anos passam, a irmã se casa e tem um filho, o irmão muda-se para a cidade, e finalmente a mãe vai viver com a irmã. Só o narrador envelhece à margem do rio, e um dia resolve chamar o pai e oferecer-se para ocupar o lugar dele na canoa. O pai surge e parece aceitar a oferta, começando a remar ao encontro do filho. Este, porém, sente um medo incontrolável e foge. No fim do conto, expõe as suas dúvidas sobre as próprias ações, a decepção com o seu fracasso e o seu sentimento de culpa. As primeiras reflexões sobre essa narrativa enigmática, em que não há qualquer referência mais precisa ao tempo e ao lugar em que ocorrem os fatos (o próprio nome do rio nunca é mencionado), podem começar talvez pelo tí-tulo, especialmente por ser tão singular e intrigante quanto a própria história. Sabemos que todo rio tem duas margens, a esquerda e a direita, mas quem As três margens do rio e o vertiginoso fluxo da vida