2014, MORALES, Fábio Augusto. A democracia ateniense pelo avesso: os metecos e a política nos discursos de Lísias. São Paulo: Edusp, 2014. 387p.
investiga neste livro, com uma profundidade envolvente, a participação política dos metecos atenienses, fazendo um exercício genuíno de leitura histórica ao identifi car os vestígios da ação política desses muitos estrangeiros domiciliados em Atenas. Vale destacar o caminho aberto para mais estudos que questionem: havia outros espaços da vida e das relações políticas que não aqueles que se restringiam aos cidadãos? Nos espaços mesmos de atuação política e institucional dos cidadãos, os estrangeiros conseguiam mobilizar, imiscuir-se, infl uenciar? T radicionalmente, aprendemos que a estrutura política da cidade-estado grega, sempre tendo Atenas como paradigma, fundava-se na participação direta de cidadãos na tomada de decisões e em sua implementação no contexto social geral. Aprendemos igualmente que os cidadãos eram necessariamente fi lhos de pais e mães atenienses e proprietários de terras na polis. Mulheres, crianças e escravos não possuíam nenhuma participação política, muito menos os estrangeiros, conhecidos como metecos. Estes, morando na cidade de Atenas, podiam dedicar-se aos mais diversos afazeres, desde o comércio até a produção de bens, mas não tinham acesso à propriedade imobiliária. Muitos deles eram ricos, no entanto, não tinham voz política, uma vez que não podiam participar em nenhuma instância de governo na polis. Fugindo desse quadro interpretativo tradicional e que ainda se faz presente em muitos dos estudos sobre a Antiguidade grega, Fábio Augusto Morales demonstra neste livro os "lugares possíveis da política", em que os metecos podiam agir e infl uenciar em decisões e caminhos para a cidade que compartilhavam com os cidadãos. Explorando as sutilezas dos discursos do logógrafo Lísias, ele mesmo um rico meteco na Atenas do fi nal do século V e início do IV a.C., o autor esclarece as contradições que dão tanto tempero a essa que foi uma das maiores cidades do mundo grego antigo. Seu texto conduz o leitor em questões fundamentais para a compreensão desse mundo, como a das formas de apropriação do espaço vivido e experimentado por grupos humanos que se juntam; a do espaço público e do privado no seio de uma sociedade; a da construção da identidade do "outro no mundo dos outros". O debate sobre a política institucionalizada e os perigos da alienação é outra questão levantada pelo autor e que revela a complexidade ateniense na administração do funcionamento do Estado ideal que pretendiam ter criado. Outro traço original desta pesquisa é a maneira como o autor traz o passado para o presente e como encontra o presente no passado. Tratando das formas de apropriação do espaço e de como essa apropriação pode tornar-se um instrumento político efi caz, independentemente de participação nas vias institucionalizadas da política, usa exemplos da metrópole paulistana para dialogar com o passado, como o confl ito entre grandes condomínios de luxo e a ocupação ilegal de terrenos públicos ou como a posição do imigrante na cidade grande. Busca, assim, uma compreensão aprofundada do que é o viver em comum, seja na Grécia antiga, seja na sociedade contemporânea. Este livro, por fi m, é instigante e contribui de forma efetiva para a refl exão sobre a dinâmica entre apropriação de espaços e ação política, a "política possível".