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A Independência do Brasil nas Cortes Vintistas

Abstract

Introdução: união ou unidade? 02 A questão do poder judicial. 05 As questões económicas. 13 A questão da força militar. 25 As questões políticas. 42 Conclusão: a inevitabilidade da independência. 60 Bibliografia. 63 Apêndice – Biografia dos deputados intervenientes no debate. 64 Os factos são conhecidos: em 1807, na sequência da invasão das tropas napoleónicas a Portugal, D. João VI, regente desde 1799, é forçado a fugir para o Brasil com a corte, contando com o auxílio da Marinha inglesa; aí seria aclamado rei, em 1816, após a morte da rainha D. Maria I, sua mãe. Ao chegar ao Brasil, quase de imediato ordenou a abertura dos portos brasileiros a todas as potências amigas. Ordenou também a duplicação das estruturas político-administrativas que existiam em Portugal, com a criação do Banco central e das sedes institucionais judiciais e da administração pública, tendo em vista a manutenção da liderança do Reino de Portugal quando este estava ocupado pelo invasor francês; com a posterior elevação do Brasil a Reino, irá desenvolver-se progressivamente um sentimento e uma dinâmica de autonomia que ficaria cada vez mais forte até resultar na independência em relação a Portugal. Aliás, poder-se-ia dizer que este rumo estaria inconscientemente traçado na mente de D. João VI ao criar, como Banco central, um Banco do Brasil e não uma filial do Banco de Portugal, aplicando a mesma solução às restantes instituições. Efetivamente tratava-se de um território tão vasto e tão rico que era difícil concebê-lo apenas como uma colónia, uma noção que viria gradualmente a tornar-se comum à generalidade dos que construíram a sua vida como brasileiros. Em Portugal, porém, a situação era algo diferente. Após a expulsão dos invasores franceses pelas forças anglo-portuguesas, o país ficaria entregue a uma Junta Governativa na qual os nossos aliados ingleses, que jamais perdiam de vista a prossecução dos seus próprios interesses, detinham cada vez mais peso e influência em todos os aspetos da vida nacional, governando como uma potência colonial de facto ainda que não de jure. A par disto, a família real tardava em regressar à metrópole, enquanto de Portugal partiam periodicamente os proventos devidos à aristocracia refugiada em terras brasileiras. Tinha havido uma inversão de termos e agora o país tinha-se tornado ‘colónia da sua colónia’. Tudo isto iria precipitar a Revolução em 1820, aproveitando a ausência do general Beresford que havia partido para o Brasil para obter de D. João VI ainda mais amplos poderes para dirigir os destinos portugueses. Forma-se uma Junta Provisional do Governo Supremo do Reino tendo por objetivos tomar nas suas mãos a regência do reino e a convocação de Cortes para a elaboração de uma nova Constituição. Reunidas no final desse ano, as Cortes de imediato exigiriam o regresso do rei, o que só viria a acontecer em meados do ano seguinte. Contudo, se o embarque da família real para o Brasil acabaria por dar origem a acesa polémica em Portugal, o regresso do rei teria precisamente o mesmo efeito, desta vez dos dois lados do Atlântico. De facto, tendo o Brasil sido elevado a Reino – formando-se o Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves – e tendo a sede da monarquia aí sido estabelecida durante vários anos, o retorno régio à metrópole levantaria a questão da existência – do ponto de vista brasileiro – de um Reino sem Rei e promoveria a correção de uma situação absurda – do ponto de vista português – em que o Rei governava a partir da colónia. Se o jovem reino do Brasil receava o regresso, nada bem-vindo, ao estatuto de simples colónia, Portugal entendia que a elevação a Reino do território brasileiro tivera apenas uma componente administrativa, tal como se verificara para os ‘Algarves’, nunca deixando de ser parte integrante e, sobretudo, vassala da Coroa portuguesa. A declaração unilateral de independência do Brasil, precipitada pelos excessos legislativos das Cortes em Portugal que anulavam os privilégios concedidos por D. João VI, veio pôr a descoberto este conflito latente. A colónia cortava subitamente os laços que a uniam à metrópole e o sonho de um Reino Unido – que na verdade sempre fora demasiado incipiente pela ausência de estruturas que efetivassem essa união nos planos político-administrativo ou comercial, verificando-se, pelo contrário, a sistemática subalternização do território sul-americano como simples fonte de rendimentos por uma burguesia que via na autonomia brasileira uma grande perda para os seus negócios – esfumava-se, abalando seriamente o prestígio e a autoestima da nação portuguesa que assistia impotente à ‘joia da Coroa’ a escapar-se-lhe entre os dedos. A utopia de um império luso-brasileiro que dominasse as rotas comerciais do Atlântico Sul, adotasse projetos comuns de desenvolvimento e fosse um interlocutor forte na cena internacional desaparecia, pondo um término ao debate entre os pugnavam pela união régia – duas Coroas – e aqueles que optavam pela unidade – uma única Coroa – que assim se via esvaziado de conteúdo. Nas Cortes Vintistas – às quais eram delegados 65 deputados brasileiros num total de 205 – a independência do Brasil seria precipitada pelo radicalismo das posições que tornou inviável uma solução de consenso. Será este o tema do trabalho que ora se apresenta, relatado através da análise das Atas das suas Sessões nos anos imediatamente anteriores a 1822, ano da independência do Brasil, considerando quatro grandes questões: o poder judicial, a economia, a força militar e a política.