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Prefácio da obra História da Loucura, de Michel Foucault.
e ao oceano de suas manhas 39 . Na era clássica, explica-se de bom grado a melancolia inglesa pela influência do clima marinho: o frio, a umidade, a instabilidade do tempo, todas essas finas gotículas de água que penetram os canais e as fibras do corpo humano e lhe fazem perder a firmeza, predispõem à loucura 40 . Finalmente, deixando de lado toda uma imensa literatura que iria de Ofélia à La Lorelei, citemos apenas as grandes análises meio antropológicas, meio cosmológicas de Heinroth, que fazem da loucura como que a manifestação no homem de um elemento obscuro e aquático, sombria desordem, caos movediço, germe e morte de todas as coisas, que se opõe à estabilidade luminosa e adulta do espírito 41 . Mas se a navegação dos loucos se liga, na imaginação ocidental, a tantos motivos imemoriais, por que tão bruscamente, por volta do século XV, esta súbita formulação do tema, na literatura e na iconografia? Por que vemos surgir de repente a silhueta da Nau dos Loucos e sua tripulação insana invadir as paisagens mais familiares? Por que, da velha aliança entre a água e a loucura, nasceu um dia, nesse dia, essa barca? É que ela simboliza toda uma inquietude, soerguida subitamente no horizonte da cultura européia, por volta do fim da Idade Média. A loucura e o louco tornam-se personagens maiores em sua ambigüidade: ameaça e irrisão, vertiginoso desatino do mundo e medíocre ridículo dos homens. Antes de mais nada, toda uma literatura de contas e moralidades. Sua origem, sem dúvida, é bem remota. Mas ao final da Idade Média, ela assume uma superfície considerável: longa série de "loucuras" que, estigmatizando como no passado vícios e defeitos, aproximam-nos todos não mais do orgulho, não mais da falta de caridade, não mais do esquecimento das virtudes cristãs, mas de uma espécie de grande desatino pelo qual, ao certo, ninguém é exatamente culpável mas que arrasta a todos numa complacência secreta 42 . A denúncia da loucura torna-se a forma geral da crítica. Nas farsas e nas sotias, a personagem do Louco, do Simplório, ou do 39 De LANCRE, De !'inconstante des mauvais anges, Paris, 1612. 40 G. CHEYNE, The English Malady, Londres, 1733. 41 Necessário acrescentar que o «lunatismo» não é estranho a esse tema. A lua cuja influência sobre a loucura foi admitida durante séculos, é o mais aquático dos astros. O parentesco da loucura com o sol e o fogo surgiu bem mais tarde (Nerval, Nietzsche, Artaud). 42 Cf. por exemplo, Des six manières de fols; ms. Arsenal 2767. exatamente esta silhueta de pesadelo que é simultaneamente o sujeito e o objeto da tentação; é ela que fascina o olhar do ascetapermanecendo uma e outro prisioneiros de uma espécie de interrogação no espelho, a permanecer indefinidamente sem resposta, num silêncio habitado apenas pelo bulício imundo que os cerca 61 . O grylle não mais lembra ao homem, sob uma forma satírica, sua vocação espiritual esquecida na loucura de seu desejo. É a loucura transformada em Tentação: tudo que nele existe de impossível, de fantástico, de inumano, tudo que nele indica a contranatureza e o formigamento de uma presença insana ao rés-dochão, tudo isso, justamente, é que lhe atribui seu estranho poder. A liberdade, ainda que apavorante, de seus sonhos e os fantasmas de sua loucura têm, para o homem do século XV, mais poderes de atração que a realidade desejável da carne. Qual é, portanto, esse poder de fascínio que, nessa época, se exerce através das imagens da loucura? De início, o homem descobre, nessas figuras fantásticas, como que um dos segredos e uma das vocações de sua natureza. No pensamento da Idade Média, as legiões de animais, batizados definitivamente por Adão, ostentavam simbolicamente os valores da humanidade 62 . Mas no começo da Renascença, as relações com a animalidade se invertem: a besta se liberta, escapa do mundo da fábula e da ilustração moral a fim de adquirir um fantástico que lhe é próprio. E, por uma surpreendente inversão, é o animal, agora, que vai espreitar o homem, apoderar-se dele e revelar-lhe sua própria verdade. Os animais impossíveis, oriundos de uma imaginação enlouquecida, tornaram-se a natureza secreta do homem, e quando no juízo final o pecador aparece em sua nudez hedionda, percebe-se que ele ostenta o rosto monstruoso de um animal delirante: são esses corujões cujos corpos de sapos misturam-se, no Inferno de Thierry Bouts, à nudez dos danados; são, à maneira de Stefan Lochner, insetos alados, borboletas com cabeças de gado, esfinges com élitros de besouros, pássaros com asas inquietantes e ávidas, como mãos; é o grande animal de presa de dedos nodosos que figura na Tentação de Grünewald. A animalidade escapou à domesticação pelos valores e pelos símbolos humanos; e se ela agora fascina o 61 É possível que Bosch tenha feito seu auto-retrato no rosto da «cabeça com pernas» que figura no centro da Tentação de Lisboa. Cf. BRION, Jérôme Bosch, p. 40. 62 Na metade do século XV, o Livre des Tournois de RENÉ D'ANJOU constitui ainda um bestiárjo moral. dos vícios. A partir do século XIII, é comum vê-la figurar entre os maus soldados da Psicomaquia 66 . Em Paris como em Amiens, ela participa das más tropas e dessas doze dualidades que dividem entre si a soberania da alma humana: Fé e Idolatria, Esperança e Desespero, Caridade e Avareza, Castidade e Luxúria, Prudência e Loucura, Paciência e Cólera, Suavidade e Dureza, Concórdia e Discórdia, Obediência e Rebelião, Perseverança e Inconstância. Na Renascença, a Loucura abandona esse lugar modesto, passando a ocupar o primeiro posto. Enquanto que em Hugues de Saint-Victor a árvore genealógica dos Vícios, a do Velho Adão, tinha por raiz o orgulho 67 , a Loucura, agora, conduz o coro alegre de todas as fraquezas humanas. Corifeu inconteste, ela as guia, as anima e as batiza: Reconheçam-nas aqui, no grupo de minhas companheiras... A que tem as sobrancelhas franzidas, é Filáucia (o Amor-Próprio). Aquela que vocês vêem rir com os olhos e aplaudir com as mãos, é Colácia (a Adulação). A que parece meio adormecida, é Leté (o Esquecimento). A que se apóia sobre os cotovelos e cruza as mãos, é Misoponia (a Preguiça). A que está coroada de rosas e untada de perfumes, é Hedoné (a Voluptuosidade). Aquela cujos olhos erram sem se fixar é Anóia (o Estouvamento). A que tem bastante carne e se mantém próspera é Trifé (a Indolência). E entre essas jovens mulheres, eis dois deuses: o do Bem-Comer e o do Sono Profundo 68 . Privilégio absoluto da loucura: ela reina sobre tudo o que há de mau no homem. Mas não reina também, indiretamente, sobre todo o bem que ele possa fazer? Sobre a ambição que faz os sábios políticos, sobre a avareza que faz crescer as riquezas, sobre a indiscreta curiosidade que anima os filósofos e cientistas? Louise Labé repete a mesma coisa depois de Erasmo; e Mercúrio, para ela, implora aos deuses: Não deixem que se perca esta linda Senhora que tanto contentamento lhes deu 69 . Mas esta nova realeza pouca coisa em comum tem com o reino 66 É necessário observar que a Loucura não ap arecia nem na Psychomachie de PRUDÉNCIO, nem no Anticlaudianus de ALAIN DE LILLE, nem em Hugues de Saint-Victor. Sua presença constante dataria apenas do século XIII?
Presença conflituosa das exigências de espiritualidade: ciência e teologia antes de Descartes; filosofia clássica e moderna: marxismo e psicanálise. -Análise de uma sentença lacedemônia: o cuidado de si como privilégio estatutário. -Primeira análise do Alcibíades de Platão. -As pretensões políticas de Alcibíades e a intervenção de Sócrates. -A educação de Alcibíades comparada com a dos jovens espartanos e dos príncipes persas. -Contextualização do primeiro aparecimento, no Alcibíades, da exigência do cuidado de si: pretensão política; déficit pedagógico; idade crítica; ausência de saber político. -A natureza indeterminada do eu e sua implicação política.
Uma reflexão sobre atitudes lingüísticas
■ RESUMO: O artigo versa sobre a possibilidade de uma história crítica da verdade no pensamento de Michel Foucault, ressaltando seu distanciamento do vínculo tradicional entre sujeito e conhecimento da verdade em benefício da articulação entre práticas históricas (práticas discursivas, práticas sociais e práticas de si) e produção de verdade. Destaca ainda em que aspectos sua investigação está in-serida no projeto crítico inaugurado por Kant e em que medida, paradoxalmente, dele se afasta.
2019
Explorando a relação entre a memória e o cinema, principalmente, em Anti-Rétro, uma entrevista que Michel Foucault concedeu, em 1974, à revista Cahiers du Cinéma, esta obra vai tratar sobre a importância da memória no pensamento desse filósofo contemporâneo que morreu em 1984, apresentando ainda uma análise sobre o corpo em filmes de horror, em produções francesas. A Biopolítica também faz parte das discussões apresentadas neste trabalho.Boa parte da obra resulta da pesquisa de doutorado que o autor empreendeu na Universidade Estadual do Sudoesta da Bahia e na França, onde realizou estágio doutoral em 2014. A obra de Foucault influenciou diretamente cada escrito que compõe esta coletânea. Ela é um convite para pensar com Foucault. Em outras palavras, o autor nos convida a entrar na ordem do pensamento de Michel Foucault por meio da memória e dos corpos em filmes franceses de horror, tratando-os sob o prisma da arqueogenealogia.
Fractal : Revista De Psicologia, 2009
Michel Foucault investigates "the history of the relations that the thought keeps with the truth" and disnaturalizes body, soul and psiqué as historical and discursive inventions, which have meaning only if included into the epistemique arrangements productions of truths, in the case, the emergence of modern thought, specially about the human sciences, in general. This research studies the Foucault's order of the speech on Psychology, in his book História da Loucura, with the aim of providing allowances for understanding the history of the speeches of Psychology, about the building of psychological subject and object and its subjectivateurs effects.
psicanaliseefilosofia.com.br, 1982
Michel Foucault pode ser definido como o filósofo das visibilidades ao considerarmos que ele atribuía à filosofia não a tarefa de desvelar o que está oculto, mas tornar perceptível aquilo que de tão próximo e tão intimamente ligado a nós, nos parece invisível. É no exercício dessa tarefa que Foucault diagnosticou o mundo ocidental como "confessante", ao denunciar uma sociedade na qual falamos a verdade àqueles cuja autoridade nos libertará. Em suas incursões arqueogenealógicas, ele argumenta que as práticas hermenêuticas originadas da confissão cristã, são hoje os instrumentos dos quais formas complexas de poder lançam mão para nos dizer quem somos e o que devemos fazer, em outras palavras, são usadas para nos conduzir. Para Foucault, portanto, somos sujeitos hermenêuticos constituídos nas tramas de estruturas de poder. Assim, através do olhar desse filósofo, este artigo busca o conceito de hermenêutica na obra de Michel Foucault. Nesse processo apresentamos a origem de suas práticas na antiguidade e sua face moderna a partir dos mestres da suspeita Nietzsche, Marx e Freud, bem como o seu papel na constituição ética do sujeito. Para tal empresa levamos em consideração as transcrições do curso A Hermenêutica do Sujeito proferido pelo filósofo em 1982 no Collège de France em Paris e outros textos seletos, assim como entrevistas do mesmo filósofo em Ditos e Escritos, volumes I, II, IV e V.
O livro A verdade e as formas jurídicas traz por escrito o teor de cinco conferências proferidas por Michel Foucault na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro entre 21 e 25 de janeiro de 1973. Nestas conferências são antecipados os desenvolvimentos contidos no livro Vigiar e Punir (1975) e pode-se observar a demonstração do vínculo entre os sistemas de verdade, bem como de onde provêm e onde se investem as práticas sociais e políticas.
No final dos anos 1960, havia a análise de Conteúdo como prática norteadora de interpretação de textos. Era papel do analista “decifrar” o texto e extrair dele o sentido oculto, atingindo sua “real” profundidade. Havia a certeza de uma verdade a ser desvendada, desarmando um projeto de significação do texto, revelando aquilo que estava escondido em matéria de significação. Foucault combate esta naturalização de saberes, se opondo às interpretações “evidentes” e contra os essencialismos possibilitados pelo método interpretativo da Análise de Conteúdo. Seus estudos tornaram-se frutíferos com o passar do tempo para a análise dos discursos partindo dos textos para os discursos que constituem textos e sujeitos no decorrer da história, revelada enquanto terreno de descontinuidades.
Plural (São Paulo. Online), 2010
Resumo Trata-se de compreender o projeto em História da Loucura na Idade Clássica [1961] como um élan à trajetória intelectual de Foucault, a qual problematiza a racionalidade das nossas relações com o Outro da cultura ocidental, isto é, com aquele que reside historicamente no não dito. Para tanto, torna-se necessário discutir as implicações sociais a partir da oposição entre o normal e o patológico, de modo a ressaltar uma questão fundamental em sua tese de 1961, a saber: de que maneira o louco, como representante de uma das experiênciaslimite problematizadas por Foucault, passou a ser concebido como o Outro a ser recusado pela racionalidade ocidental. Desse modo, por meio de sua análise histórico-filosófica e da demonstração da crescente subordinação da loucura à razão-a partir da qual se torna possível a emergência da loucura e de suas redes de controle social-, trata-se de evidenciar de que modo o homem, como um objeto fictício de si, aparece como uma problematização já em seus primeiros escritos. Às voltas com as embrionárias reflexões e problematizações das (não) relações que se tem com os saberes sujeitados da cultura ocidental, confere-se a contribuição de Michel Foucault à filosofia contemporânea, em sua tarefa crítica do pensamento que implica a arte de não ser governado pela verdade em sentido a-histórico.
Reygson Max Parreiras, 2012
A revisão de literatura que construiu este artigo investigou a obra de Michel Foucault, a “História da Loucura”, para compreender a importância da arte no contexto do tratamento das doenças mentais. Foucault foi o filósofo que descreveu a evolução do pensamento humano sobre a loucura através dos mecanismos e das práticas que a produzem, em um estudo que possibilitou o surgimento da psicologia. Foucault destrói a imagem de constrangedora e incompreensível, ligada às assombrações e aos mistérios do mundo que foi dada à loucura ao longo do tempo para associá-la ao relacionamento que o homem tem consigo mesmo, por meio de três eixos: o saber, o poder e a subjetividade. Diante disso, esse autor demonstrou que internamento não é natural, mas mera forma de segregação que envolve uma questão moral: o impedimento ao indivíduo a liberdade de expressar a verdade de sua vida.
Neste artigo procura-se pensar a relação, complexa, e mesmo ambígua, de Foucault com a filosofia. Com a filosofia e, neste caso, com Kant e Nietzsche, sendo talvez mais kantiano do que nietzscheano.
Para um milhão e meio de habitantes no século XII, Inglaterra e Escócia tinham aberto, apenas as duas, 220 leprosários. Mas já no século XIV o vazio começa a se implantar: no momento em que
No presente trabalho, irei estabelecer um paralelo entre a concepção de biblioteca para Foucault e a realidade existente nas bibliotecas universitárias atuais.
Revista Paranaense de Filosofia
Este artigo busca apresentar uma hipótese interpretativa para a obra História da loucura (1961), do filósofo francês Michel Foucault. Trata-se de situar um modo de ler o texto de 1961, dando especial atenção ao conceito de polícia. Isso em razão de que nessa obra ao analisar questões como medicina, loucura etc., Foucault acabou por construir uma interpretação de dispositivos sociais relacionados à prática do enclausuramento, que desembocou no nascimento da polícia moderna. Grosso modo, a ideia é aprofundar um tema ainda pouco estudado no autor, seguindo a linha de raciocínio de Edgardo Castro (2019), que destaca haver na obra deste “um breve tratado sobre a polícia”.
O presente texto é um resumo de outros textos do mesmo autor sobre o filósofo Michel Foucault. O texto tem por objetivo transmitir de forma didática as principais ideias das diferentes fases de Foucault, introduzindo e orientando assim seu leitor à leitura dos originais dentro de uma perspectiva mais ampla.
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