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Islão transnacional e os fantasmas do colonialismo português

2011, Relações Internacionais 30, pp. 71-82

Abstract

Este artigo examina a forma como as políticas colónias portuguesas de enquadramento do Islão na Guiné e em Moçambique evoluíram de uma representação do muçulmano como ameaça para uma imagem mais conciliadora, pela qual os muçulmanos poderiam ser potenciais aliados do poder português na guerra contra os movimentos nacionalistas. Sendo ambas as representações marcadas pela ambivalência, a primeira predominou até ao final da década de 50 e a segunda desenhou-se em meados dos anos 60, acompanhando o restante trajecto das guerras coloniais. As duas imagens corresponderam a diferentes formas de lidar com a dimensão transnacional do Islão e com o seu alegado impacto sobre o colonialismo português em África. O artigo analisa essas estratégias, abordando a participação que nelas teve a Igreja Católica, o aparelho central de poder e as suas ramificações locais nas colónias. This article examines the evolution of Portuguese colonial policies regarding Islam in Guinea and Mozambique. Such policies turned from an image of Muslim as foe to a more reconciling picture, in which Muslims could be presented as potential allies of the Portuguese power in the war against nationalist movements. Being both marked by ambivalence, the first image prevailed until the end of 1950s and the second one emerged in the mid-60s to be part of the last stage in the colonial wars. These images corresponded to different ways of addressing the transnational dimension of Islam and its supposed impact on the Portuguese colonialism in Africa. The article analyses those strategies and the actors that were behind them: the Catholic Church, the core of political power and its local ramifications in the colonies.

Key takeaways

  • estes, em particular os que operavam nos serviços de informa-R E S U M O e ste artigo examina como as políticas das colónias portuguesas de enquadramento do islão na Guiné e em Moçambique evoluíram de uma representação do muçulmano como ameaça para uma imagem mais conciliadora, pela qual os muçulmanos poderiam ser potenciais aliados do poder português na guerra contra os movimentos nacionalistas.
  • Palavras-chave: Portugal, colonialismo, guerra colonial, islão transnacional
  • De facto, no mapa identitário com que o discurso português percepcionou o islão nas colónias da Guiné e de Moçambique o muçulmano aparecia cindido em duas versões: o árabo-asiático, prenhe de supostas ameaças para a estabilidade do sistema colonial, e uma espécie de proto-muçulmano, o «islamizado», produto híbrido ou «sincrético», incapaz de superar credos «animistas» que abastardavam um islão reduzido, nesta óptica, a simples cobertura de superfície ou maquilhagem prestigiante para efeitos de autopromoção no seio do grupo.
  • e este era, talvez, o aspecto mais perturbador do islão para os mapas cognitivos do colonialismo português: «desnacionalizador», precisamente porque dotado de uma transnacionalidade sem outras fronteiras identitárias que não fossem a pertença à Umma.
  • com este programa, os sccim tornaram-se o organismo pivot da estratégia apostada em conquistar a boa vontade dos dignitários muçulmanos, sobretudo na região norte de Moçambique onde prevaleciam as confrarias islâmicas sufistas, consideradas um ingrediente típico do chamado «islão negro».