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Silva Porto (1850-1893), por Varela Aldemira

2020, Centro de Investigação e Estudos em Belas Artes : Sociedade Nacional de Belas Artes

Abstract

Galo, gravador do seu ofício, envolvido em delitos de moeda falsa. Volta e meia, Silvas e Carvalhos desafinavam a bater arames e latões no velho bairro, ainda restos da música dissonante dos caldeireiros e outra jolda vizinhando o vetusto Arco de Sant' Ana, ali perto, ao fundo da rua do mesmo nome. Alguns emigravam, bastando-se a si mesmos, como o João da Silva Carvalho, tio do futuro pintor, pela segunda vez a caminho do Rio de Janeiro, em 1866. Os que ficavam, lá se iam governando, sóbrios nos haveres, os indispensáveis que não são abastança nem miséria, nunca emprestando para não ter que pedir, às vezes, em momentos críticos, algumas juras e promessas à padroeira Senhora da Silva, «de rosto terníssimo», rainha coroada, o Menino ao colo, «alta estatura no altar mais alto da Sé». Vai daí, o honrado artífice, engenhoso nos metais, inventivo nas ideias, herdeiro nos brios e razões dos «ciclopes da Bainharia» garrettiana, baptiza os dois filhos, o António e a Adelina Branca, avessando o patronímico Silva Carvalho para Carvalho da Silva; depois retoca a operação adicionando-lhe o Porto. Neste congeminar, o capricho do humilde mecânico foi ao encontro (se não imitou) do sertanejo António Francisco Ferreira da Silva, que, no Brasil, por alturas de 1836, acrescentara ao Silva o Porto, este sim, em lembrança saudosa da sua terra longínqua, de caminho anulando os mal-entendidos com outros Silvas emigrados. Em 1850, ano do nascimento do pintor, o obstinado africanista Silva Porto, estabelecido no Bié, era falado com admiração pelos patrícios nas baiucas húmidas da longa Rua dos Mercadores, continuação das íngremes Bainharia, Souto, Pena Ventosa e mais vielas escoando fadários até à beira Douro. Mutatis mutandis, o bom latoeiro pensou: se não evito as confusões, antes quero a minha gente com o nome do pioneiro, exemplo de valor e de sacrifício que honra os Silvas no sertão. E lança no seu caderno o assento do Antoninho, nascido «numa segunda-feira, às 8 horas da manhã», riscando, alterando, a mão obedecendo insegura ao facataz da sua crença.