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Quarentena

2020, Elyra

O texto que publicamos a seguir é um fragmento da tese de doutorado da poeta Alice Sant'Anna, intitulada Dobra, e defendida na PUC-Rio, em julho de 2020, sob a orientação de Marília Rothier Cardoso. Reunindo poemas e textos em prosa, o trabalho investiga uma questão assim explicitada no resumo: "O título faz referência à noção de dobra formulada por Roland Barthes, que aponta o instante em que se tem consciência de estar numa encruzilhada, no ponto de virada, quando se ingressa na 'outra vida', na 'nova vida'" (Sant'Anna 2020: 6). Além de explorar eventos pessoais, como a adaptação da narradora a uma nova cidade e a experiência da maternidade, o trabalho se debruça sobre escritas autobiográficas, procurando descobrir nelas a capacidade, ou incapacidade, de perceber o instante em que a vida de alguém muda para sempre. Algo de extraordinário se deu enquanto o trabalho se fazia, uma quebra que atingiu o planeta todo: a crise sanitária provocada pelo novo Coronavírus. Versos da primeira parte, escrita antes dessa crise, parecem agora proféticos: "a verdade é que a gente nunca/ consegue antever as tragédias" (idem: 47). Já que "de uma hora para outra, temos medo de tudo. Medo de encontrar alguém, de ver gente. Espirrar ou tossir virou a maior ameaça. [...] De repente passamos a ter medo da proximidade, de nos contaminar ou contaminar os outros. E o outro pode ser um desconhecido, mas também a sua avó, as suas tias. Todos viraram um risco, nós também" (idem: 58). Se é verdade que uma nova vida pede uma nova escrita, como dizia Barthes em A Preparação do Romance, então esta é uma questão que se coloca para todos neste momento. Seremos capazes de prestar atenção nas coisas certas? É o desafio que nos lança