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A Morte de Félix Guattari

1993, Cadernos de Subjetividade

Abstract

Na última vez que Guattari esteve conosco no Brasil, em maio de 1992, foi feito no Rio de Janeiro, um lançamento de seus dois últimos livros 2 , na forma de uma calorosa mesa-redonda 3 , na qual o combinado era que cada um de nós lhe dissesse algo, brevemente. O psicanalista Joel Birman, comenta, então, com Guattari, que ficara impactado com um estranho tom de despedida, que se insinuava através de páginas introdutórias de O que é a filosofia?*, e que gostaria, se possível, de ouvi-lo falar a este respeito. E aí Félix se pôs a falar longamente, e as coisas que ia dizendo, e, talvez mais ainda, o jeito de dizê-las, foi nos envolvendo e criando uma atmosfera cada vez mais densa. Lembro-me, especialmente, de algumas passagens: a primeira coisa que nos contou é que, quando menininho, presenciou a morte de seu avô, de quem gostava muito; comentou que o choque deste encontro com a morte tinha sido um marco fundamental em sua vida e, também, que, a partir daí, ele costumava ser arrebatado por intensas crises de angústia, que irrompiam principalmente à noite; recordou ainda que, muitos anos depois, quando conheceu Oury 5 , lhe falou dessas crises, e o amigo sugeriu que virasse a cabeça no travesseiro, para o outro lado, conselho que seguiu e deu certo. Estas histórias que Félix nos contou, naquela ocasião, voltaram à minha memória, logo depois de sua morte, quando li, num belo artigo de Maggiori, no número de Liberation que homenageou nosso amigo, que durante um certo período de sua infância, por volta dos seis ou sete anos, Guattari tinha um pesadelo, que se repetia todas as noites. Assim nos descreve seu pesadelo, o próprio Félix: "Uma dama de negro. Ela se aproximava da cama. Eu ficava com muito medo. Isto me acordava. Eu não queria mais voltar a dormir". E Maggiori conta * Psicanalista, coordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas da Subjetividade. Autora dos livros Cartografia sentimental: transformações contemporâneas do desejo (São Paulo, Estação Liberdade, 1989) e MicropoUúca: cartografias do desejo, em co-autoria com Félix Guattari (Petrópolis, Vozes, 1986).