Thesis Chapters by Vanessa Sander

Antropologia e Direitos Humanos, 2023
Este artigo é um recorte de minha tese de doutorado (SANDER, 2021), que analisa os circuitos de c... more Este artigo é um recorte de minha tese de doutorado (SANDER, 2021), que analisa os circuitos de criminalização e encarceramento de travestis e transexuais. Neste enquadramento particular, viso colocar em relevo as noções de “crise” agenciadas em meu lócus etnográfico central: a Ala LGBT de uma penitenciária masculina, localizada no município de São Joaquim de Bicas, na região metropolitana de Belo Horizonte. O primeiro pavilhão específico para pessoas que se reconhecem como travestis, transexuais e homossexuais em uma instituição penitenciá- ria masculina foi instituído pelo governo do Estado de Minas Gerais em 2009. A criação da Ala LGBT foi justificada, principalmente, a partir da necessidade urgente de proteção de travestis e transexuais contra as violências sexuais que sofriam nas prisões. A rememoração de casos de abuso e a antecipação da violência mostraram-se, então, um impor- tante artefato político para construir a legitimidade e urgência da cria- ção dos espaços específicos segregados.

Esta tese se debruça sobre os circuitos de criminalização e encarceramento de travestis e transex... more Esta tese se debruça sobre os circuitos de criminalização e encarceramento de travestis e transexuais, tomando como ponto etnográfico nodal a Ala LGBT de uma penitenciária masculi-na localizada na região metropolitana de Belo Horizonte. Esse espaço prisional, instituído em 2009 como medida de humanização do sistema penitenciário mineiro, abriga os presos e presas que se autodeclaram travestis, transexuais ou homossexuais mediante a assinatura de um docu-mento. Situando a prisão em uma trama alargada, descrevo, a partir de uma pesquisa qualitativa, os nexos que a conectam com movimento LGBT, normativas de Estado, discursos sobre violên-cia sexual, territórios de prostituição e tecnologias de gênero. A partir da observação do cotidia-no do pavilhão LGBT, apresento o contexto descrito pelos gestores como “crise no sistema prisional”, léxico que faz parte das tentativas de caracterizar (e produzir) as múltiplas escassezes vivenciadas nas prisões, o aumento da violência no interior das unidades e a dificuldade de clas-sificar e alocar determinados corpos e comportamentos em um fluxo intenso de superlotação. Desde esse cenário “crítico”, analiso as tentativas cíclicas de resolução propostas pelos múltiplos atores do Estado – desde a administração prisional à Secretaria de Direitos Humanos –, que mo-bilizam rumores e disputam diferentes representações de gênero e sexualidade para lidar com os impasses que se impõem na gestão de travestis e transexuais em cumprimento de pena. Ao dar atenção a tais dinâmicas institucionais, intento evidenciar como as políticas prisionais, bem como as políticas prisioneiras, produzem sentido e inteligibilidade para sujeitos e relações, de maneira que os afetos e desejos cultivados por entre os muros se tornam lugares fundamentais tanto de regulação quanto de agência. Nesse sentido, o encarceramento das bichas, monas e seus mari-dos – e o esquadrinhamento, a segmentação e a expansão socioespacial do espaço prisional que o acompanha – diz muito sobre o aparato punitivo estatal em uma escala ampliada. Assim, a Ala LGBT, mais do que fornecer um retrato de um contexto prisional local, se converte em um espa-ço heurístico privilegiado para analisar os processos de co-produção entre gênero e Estado, que se emaranham ainda aos diagramas morais generificados do mundo do crime.

Nessa dissertação, parto de uma análise do processo de patologização das travestilidades: da elab... more Nessa dissertação, parto de uma análise do processo de patologização das travestilidades: da elaboração das categorias nosológicas da psiquiatria, que enquadram o trânsito de gênero sob a alcunha dos transtornos mentais, baseando-se em noções binárias e normativas sobre corpos e gêneros. A partir de uma etnografia realizada entre travestis que se prostituem em Belo Horizonte, procurei observar as fronteiras entre o discurso psiquiátrico e as noções nativas de corpo, gênero, saúde e doença. Nesse fluxo ambíguo e muitas vezes contraditório entre a nosografia psiquiátrica e as classificações e conhecimentos das próprias travestis – entre os manuais e os truques – percebi que a convivência cotidiana me oferecia a possibilidade de ir além dos aspectos pragmáticos dos sistemas classificatórios médicos (e sua difusa e nem sempre óbvia mistura com a vida concreta). Por isso, fui levada da análise das taxonomias psiquiátricas para a observação das classificações nativas: as categorias acionadas pelas próprias travestis de maneira a singularizar suas subjetividades e trajetórias. A experiência em campo revelou as nomeações e relações entre travestis tops, tias, novinhas, patricinhas, bandidas, europeias e travecões, mostrando como categorias referentes a gênero, geração, classe e corpo operam contextual e relacionalmente em suas vidas, e como desnudam muito das hierarquias e disputas em torno da legitimidade em declarar-se travesti. A análise das dinâmicas distintivas e os conflitos que envolvem atentaram-me para a circulação de narrativas concorrentes e conflitantes de travestis de diferentes gerações; e para como a
linguagem para falar das diferenças naquele contexto é especialmente articulada em termos de gênero, corpo e idade. Dessa forma, pude observar os tensionamentos e afetos envolvidos nas relações entre travestis veteranas e novatas, em especial entre aquelas que estabelecem relações entre cafetina e agenciada, ou entre mãe e filha, revelando as configurações
complexas presentes tanto no cotidiano do trabalho sexual quanto no convívio doméstico. Percebi que, apesar dos desacordos, rixas, enfrentamentos, e mesmo situações de exploração, o suporte social e suas redes se configuram quase como um elemento característico do laço social e da solidariedade intergeracional entre travestis.
Papers by Vanessa Sander

55.2, 2023
Este artigo explora os impasses que surgiram com o processo de elaboração e aplicação de novas re... more Este artigo explora os impasses que surgiram com o processo de elaboração e aplicação de novas resoluções para o atendimento à população LGBT no sistema penitenciário e socioeducativo de Minas Gerais. Essas resoluções estabeleceram, entre outras recomendações, que as revistas íntimas de travestis e transexuais deveriam ser realizadas exclusivamente por agentes de segurança mulheres. Em vista dessa nova normativa, analiso as controvérsias levantadas pelas agentes femininas, que se recusaram a realizar tais procedimentos de segurança e convocaram uma audiência pública para tratar do tema, alegando “violência de gênero” contra a categoria profissional. Assim, a partir de incursões etnográficas na ala LGBT de uma unidade prisional masculina e na audiência pública em questão, discuto a natureza complexa dos modos de regulação moral das expressões de gênero e sexualidade próprios das querelas em torno da gestão cotidiana de travestis presas.
O Público e o Privado
RESENHA NASCIMENTO, Francisco Elionardo de Melo. 2022. Travestilidades aprisionadas: narrativas d... more RESENHA NASCIMENTO, Francisco Elionardo de Melo. 2022. Travestilidades aprisionadas: narrativas de experiências de travestis em cumprimento de pena no Ceará. São Paulo: Editora Dialética, 204p.

Antropolítica - Revista Contemporânea de Antropologia
Este artigo explora os impasses que surgiram com o processo de elaboração e aplicação de novas re... more Este artigo explora os impasses que surgiram com o processo de elaboração e aplicação de novas resoluções para o atendimento à população LGBT no sistema penitenciário e socioeducativo de Minas Gerais. Essas resoluções estabeleceram, entre outras recomendações, que as revistas íntimas de travestis e transexuais deveriam ser realizadas exclusivamente por agentes de segurança mulheres. Em vista dessa nova normativa, analiso as controvérsias levantadas pelas agentes femininas, que se recusaram a realizar tais procedimentos de segurança e convocaram uma audiência pública para tratar do tema, alegando “violência de gênero” contra a categoria profissional. Assim, a partir de incursões etnográficas na ala LGBT de uma unidade prisional masculina e na audiência pública em questão, discuto a natureza complexa dos modos de regulação moral das expressões de gênero e sexualidade próprios das querelas em torno da gestão cotidiana de travestis presas.

Revista Antropolítica, 2023
Este artigo explora os impasses que surgiram com o processo de elaboração e aplicação de novas ... more Este artigo explora os impasses que surgiram com o processo de elaboração e aplicação de novas resoluções para o atendimento à população LGBT no sistema penitenciário e socioeducativo de Minas Gerais. Essas resoluções estabeleceram, entre outras recomendações, que as revistas íntimas de travestis e transexuais deveriam ser realizadas exclusivamente por agentes de segurança mulheres. Em vista dessa nova normativa, analiso as controvérsias levantadas pelas agentes femininas, que se recusaram a realizar tais procedimentos de segurança e convocaram uma audiência pública para tratar do tema, alegando “violência de gênero” contra a categoria profissional. Assim, a partir de incursões etnográficas na ala LGBT de uma unidade prisional masculina e na audiência pública em questão, discuto a natureza complexa dos modos de regulação moral das expressões de gênero e sexualidade próprios das querelas em torno da gestão cotidiana de travestis presas.
PROA Revista de Antropologia e Arte, Dec 15, 2019

Orientador: Guita Grin DebertDissertação (mestrado) - Universidade Estadual de Campinas, Institut... more Orientador: Guita Grin DebertDissertação (mestrado) - Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Filosofia e Ciências HumanasResumo: Nessa dissertação, parto de uma análise do processo de patologização das travestilidades: da elaboração das categorias nosológicas da psiquiatria, que enquadram o trânsito de gênero sob a alcunha dos transtornos mentais, baseando-se em noções binárias e normativas sobre corpos e gêneros. A partir de uma etnografia realizada entre travestis que se prostituem em Belo Horizonte, procurei observar as fronteiras entre o discurso psiquiátrico e as noções nativas de corpo, gênero, saúde e doença. Nesse fluxo ambíguo e muitas vezes contraditório entre a nosografia psiquiátrica e as classificações e conhecimentos das próprias travestis ¿ entre os manuais e os truques ¿ percebi que a convivência cotidiana me oferecia a possibilidade de ir além dos aspectos pragmáticos dos sistemas classificatórios médicos (e sua difusa e nem sempre óbvia mistura com a vida ...

Nessa dissertacao, parto de uma analise do processo de patologizacao das travestilidades: da elab... more Nessa dissertacao, parto de uma analise do processo de patologizacao das travestilidades: da elaboracao das categorias nosologicas da psiquiatria, que enquadram o trânsito de genero sob a alcunha dos transtornos mentais, baseando-se em nocoes binarias e normativas sobre corpos e generos. A partir de uma etnografia realizada entre travestis que se prostituem em Belo Horizonte, procurei observar as fronteiras entre o discurso psiquiatrico e as nocoes nativas de corpo, genero, saude e doenca. Nesse fluxo ambiguo e muitas vezes contraditorio entre a nosografia psiquiatrica e as classificacoes e conhecimentos das proprias travestis - entre os manuais e os truques - percebi que a convivencia cotidiana me oferecia a possibilidade de ir alem dos aspectos pragmaticos dos sistemas classificatorios medicos (e sua difusa e nem sempre obvia mistura com a vida concreta). Por isso, fui levada da analise das taxonomias psiquiatricas para a observacao das classificacoes nativas: as categorias aciona...

Sociedade e Cultura, 2017
O presente artigo pretende costurar reflexões sobre as relações intergeracionais entre travestis ... more O presente artigo pretende costurar reflexões sobre as relações intergeracionais entre travestis trabalhadoras sexuais e suas noções e perspectivas de envelhecimento e periodização da vida, por meio de dados extraídos de nossas pesquisas etnográficas que partiram de diferentes áreas de prostituição de Belo Horizonte. Concebendo as categorias referentes às gerações e o envelhecimento como produções discursivas, buscou-se compreender quais narrativas são acionadas pelas travestis para dar contornos e singularidades às suas experiências. O foco reside nas relações intergeracionais entre “tias” e “novinhas”, como são chamadas as travestis veteranas e novatas: seus conflitos, afetos, dinâmicas distintivas e memórias de experiências compartilhadas. A constituição dessas categorias nativas aponta para um emaranhado de relações, vínculos e conflitos, que constituem redes de suporte social atravessadas pelo mercado do sexo

Cadernos Pagu, 2019
Resumo Este artigo propõe um diálogo entre duas pesquisadoras que investigam temas afins: as expe... more Resumo Este artigo propõe um diálogo entre duas pesquisadoras que investigam temas afins: as experiências de travestis e transexuais em privação de liberdade. Partindo das formulações de Donna Haraway (1995), pretendemos debater sobre a particularidade e a corporificação de toda visão etnográfica através de um eixo de diferenciação central para nossas vivências em campo: a identidade de gênero. Céu Cavalcanti discute sobre os encontros etnográficos e o desenvolvimento de sua pesquisa enquanto uma pessoa trans; Vanessa Sander faz o mesmo debatendo os caminhos de sua investigação como pessoa cisgênera. Os diálogos e as ressonâncias entre as duas vozes que aqui se encontram possibilitam um afluente de conexões, em que as tramas interseccionais que circundam nossa visão são objeto inicial de análise. Nas dinâmicas teórico-metodológicas temos um ponto de encontro das nossas perspectivas que nos convidam a conversar sobre o elemento central deste texto: as identificações de cisgeneridade ...
Cadernos Pagu, 2021
Resumo O artigo analisa sentidos e práticas afetivas e conjugais vivenciadas por travestis encarc... more Resumo O artigo analisa sentidos e práticas afetivas e conjugais vivenciadas por travestis encarceradas em uma penitenciária masculina. São observados os discursos da administração prisional sobre os relacionamentos sexuais e amorosos na Alas LGBT, assim como as narrativas das próprias travestis sobre seus casos e casamentos. Articulando essas duas perspectivas, identifica-se como as conjugalidades são reinventadas e mediadas através do sistema penitenciário. Pensando a prisão como um espaço produtivo de relações, proponho analisar como esses casamentos redimensionam tanto a gramática das relações no contexto da rua como as normas de gênero e sexualidade.
Cadernos Pagu, 2021
O artigo analisa sentidos e práticas afetivas e conjugais vivenciadas por travestis encarceradas ... more O artigo analisa sentidos e práticas afetivas e conjugais vivenciadas por travestis encarceradas em uma penitenciária masculina. São observados os discursos da administração prisional sobre os relacionamentos sexuais e amorosos na Alas LGBT, assim como as narrativas das próprias travestis sobre seus casos e casamentos. Articulando essas duas perspectivas, identifica-se como as conjugalidades são reinventadas e mediadas através do sistema penitenciário. Pensando a prisão como um espaço produtivo de relações, proponho analisar como esses casamentos redimensionam tanto a gramática das relações no contexto da rua como as normas de gênero e sexualidade.

A presente entrevista encerra a serie Fundadores, dedicada a celebrar a historia do Programa de P... more A presente entrevista encerra a serie Fundadores, dedicada a celebrar a historia do Programa de Pos-Graduacao em Antropologia Social do Instituto de Filosofia e Ciencias Humanas (IFCH) da Unicamp a partir dos seus primeiros professores – Antonio Augusto Arantes, Peter Fry e Verena Stolcke (a epoca Verena Martinez-Alier), e das circunstâncias que remontam ao seu feliz encontro, ha 46 anos. Realizadas em Campinas, de 3 a 6 de novembro de 2013, por alguns estudantes do Programa, as entrevistas estao vinculadas a 3a edicao das Jornadas de Antropologia John Monteiro e figuram como um importante documento da antropologia no Brasil, abordada/pensada sob o ponto de vista de seus protagonistas. Peter Fry graduou-se na Universidade de Cambridge em 1963, e fez doutorado em Antropologia Social na Universidade de Londres, em 1969. Nos anos 1960, realizou sua primeira pesquisa de campo entre os Zezuru da Rodesia do Sul (atual Zimbabue). Apos ter concluido a pesquisa de doutorado, Fry veio para o ...
Cadernos Pagu, 2018
Em Pensar o sexo e o genero (2016), Eleni Varikas tece uma discussao acerca do conceito de genero... more Em Pensar o sexo e o genero (2016), Eleni Varikas tece uma discussao acerca do conceito de genero cruzando historia intelectual, teoria social e abordagens epistemologicas que partem de paisagens intelectuais e tradicoes politicas menos conhecidas. A autora tambem dialoga, de forma breve e erudita, com autores celebres, como Hannah Arendt, Walter Benjamim e Simone de Beavoir. No decorrer dessa costura de referencias, Varikas destaca a necessidade de redefinir o politico desafiando suas distincoes fundadoras: entre privado e publico, pessoal e politico, familia e comunidade, sociedade civil e Estado. Nesse sentido, pensar sobre as nocoes de diferenca sexual – bem como sobre a experiencia singular do sujeito feminino e seu acesso ao universal – sao o caminho elegido pela autora para discutir a historicidade do genero como principio organizador da politica.

Cadernos Pagu
Em Pensar o sexo e o gênero, Eleni Varikas tece uma discussão acerca do conceito de gênero cruzan... more Em Pensar o sexo e o gênero, Eleni Varikas tece uma discussão acerca do conceito de gênero cruzando história intelectual, teoria social e abordagens epistemológicas que partem de paisagens intelectuais e tradições políticas menos conhecidas. Nas 128 páginas do livro-dividido em duas seções principais: as itinerâncias e as impertinências do gênero-, a autora também dialoga, de forma breve e erudita, com autores célebres, como Hannah Arendt, Walter Benjamim e Simone de Beavoir. No decorrer dessa costura de referências, Varikas destaca a necessidade de redefinir o político desafiando suas distinções fundadoras: entre privado e público, pessoal e político, família e comunidade, sociedade civil e Estado. Nesse sentido, pensar sobre as noções de diferença sexual, bem como sobre a experiência singular do sujeito feminino e seu acesso ao universal, é o caminho elegido pela autora para discutir a historicidade do gênero como princípio organizador da política. Genealogias e fronteiras do pensamento Varikas empreende uma genealogia do conceito de gênero através de um caminho improvável: iniciando-a na filosofia de Protágoras e suas elaborações sobre o projeto de racionalizar a linguagem a partir da divisão dos substantivos. A passagem pela filosofia grega clássica não acontece por considerá-la uma origem, e menos ainda por ter tido grande influência nos estudos de
Revista Estudos Feministas
Revista Estudos Feministas
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Thesis Chapters by Vanessa Sander
linguagem para falar das diferenças naquele contexto é especialmente articulada em termos de gênero, corpo e idade. Dessa forma, pude observar os tensionamentos e afetos envolvidos nas relações entre travestis veteranas e novatas, em especial entre aquelas que estabelecem relações entre cafetina e agenciada, ou entre mãe e filha, revelando as configurações
complexas presentes tanto no cotidiano do trabalho sexual quanto no convívio doméstico. Percebi que, apesar dos desacordos, rixas, enfrentamentos, e mesmo situações de exploração, o suporte social e suas redes se configuram quase como um elemento característico do laço social e da solidariedade intergeracional entre travestis.
Papers by Vanessa Sander
linguagem para falar das diferenças naquele contexto é especialmente articulada em termos de gênero, corpo e idade. Dessa forma, pude observar os tensionamentos e afetos envolvidos nas relações entre travestis veteranas e novatas, em especial entre aquelas que estabelecem relações entre cafetina e agenciada, ou entre mãe e filha, revelando as configurações
complexas presentes tanto no cotidiano do trabalho sexual quanto no convívio doméstico. Percebi que, apesar dos desacordos, rixas, enfrentamentos, e mesmo situações de exploração, o suporte social e suas redes se configuram quase como um elemento característico do laço social e da solidariedade intergeracional entre travestis.
investigam temas afins: as experiências de travestis e transexuais
em privação de liberdade. Partindo das formulações de Donna
Haraway (1995), pretendemos debater sobre a particularidade e a
corporificação de toda visão etnográfica através de um eixo de
diferenciação central para nossas vivências em campo: a
identidade de gênero. Céu Cavalcanti discute sobre os encontros
etnográficos e o desenvolvimento de sua pesquisa enquanto uma
pessoa trans; Vanessa Sander faz o mesmo debatendo os
caminhos de sua investigação como pessoa cisgênera. Os diálogos
e as ressonâncias entre as duas vozes que aqui se encontram
possibilitam um afluente de conexões, em que as tramas
interseccionais que circundam nossa visão são objeto inicial de
análise. Nas dinâmicas teórico-metodológicas temos um ponto de
encontro das nossas perspectivas que nos convidam a conversar
sobre o elemento central deste texto: as identificações de
cisgeneridade e transgeneridade nos próprios marcadores das
pesquisadoras que se propõem a produzir conhecimento junto à
pluralidade das vivências trans.
antropóloga britânica Marilyn Strathern. Embora publicado em 2016 pela Hau Books, o texto foi
escrito em 1974, em Port Moresby, sob encomenda para integrar uma série de caráter enciclopédico,
a ser editada pelo Royal Anthropological Institute. Strathern recebeu como proposta o tema “homem
e mulher”, título inicial do texto. Porém, a empreitada de publicar uma coletânea antropológica
para um público mais amplo foi cancelada. Logo, o texto completo foi arquivado e reacessado
apenas décadas depois.
Intitulado Before and After Gender, o livro interage com debates feministas da década de
1970 e pode ser considerado uma espécie de clássico extraviado do feminismo setentista, visto
que mesmo com o passar do tempo, aborda com vívida relevância contemporânea questões
sobre gênero e desigualdade. No entanto, apresenta diferenças significativas em relação às
obras feministas coetâneas, oferecendo uma teoria mais abrangente do gênero como uma forma
de relação social e cultural do que os escritos da época, interrogando como a mulher veio a ser
uma questão. Através de fontes diversas – romances, manifestos feministas, poemas, etnografias e
manuais de biologia – a autora constrói uma análise do conceito de gênero como um poderoso
código cultural, e o sexo como uma mitologia definidora. Para isso, explora uma ampla variedade
de temas: simbolismo, estereótipos, papéis sociais, casamento, família, noção de pessoa,
sexualidade e divisão sexual do trabalho
discussão acerca do conceito de gênero cruzando história
intelectual, teoria social e abordagens epistemológicas que partem
de paisagens intelectuais e tradições políticas menos conhecidas.
Nas 128 páginas do livro – dividido em duas seções principais: as
itinerâncias e as impertinências do gênero –, a autora também
dialoga, de forma breve e erudita, com autores célebres, como
Hannah Arendt, Walter Benjamim e Simone de Beavoir. No
decorrer dessa costura de referências, Varikas destaca a
necessidade de redefinir o político desafiando suas distinções
fundadoras: entre privado e público, pessoal e político, família e
comunidade, sociedade civil e Estado. Nesse sentido, pensar sobre
as noções de diferença sexual, bem como sobre a experiência
singular do sujeito feminino e seu acesso ao universal, é o
caminho elegido pela autora para discutir a