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Filosofia para a vida moderna: o que é isso?
Muitas pessoas enxergam a filosofia apenas como um exercício teórico e dis-
tante da realidade, algo restrito a academias e livros antigos. No entanto, essa
visão é limitada e equivocada.
A filosofia é uma poderosa ferramenta para enfrentar desafios cotidianos com
sabedoria, leveza e discernimento.
A vida moderna trouxe muitas facilidades, mas também muitos desafios.
Redes sociais incentivam uma vida de aparências: é preciso estar bonito, ter
coisas e viver experiências para postar.
Isso gera comparação e, como consequência, ansiedade.
Ao ver o que os outros têm e fazem, cresce a pressa para ter, pressa para con-
quistar.
Essa dinâmica fortalece a cultura da produtividade: para alcançar o que se vê
nas redes, é preciso ser cada vez mais produtivo.
Nesse contexto, as pessoas fogem do sofrimento e buscam prazeres rápidos
que oferecem sensações de euforia e recompensa, como rolar pelas redes
sociais sem parar, consumir fast food, comprar compulsivamente, maratonar
séries ou usar aplicativos de encontros.
A busca incessante por prazeres imediatos e a falta de tempo gerada tornam
os relacionamentos amorosos frágeis. Diante de qualquer desconforto, falta
diálogo e sobra descarte.
A falta de tempo para conviver com amigos e familiares, somada a relaciona-
mentos amorosos frágeis, resulta na epidemia de solidão que vivemos hoje.
Por fim, quando percebem que boas relações fazem falta e que bens materiais
não preenchem o vazio, surge a pergunta: qual o propósito disso tudo? Parece
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uma grande corrida sem sentido.
Os vilões da vida moderna são os seguintes:
vida de aparências, ansiedade, comparação, cultura da produtividade, solidão,
fragilidade dos relacionamentos, excesso de prazer e ausência de propósito.
1. VIDA DE APARÊNCIAS
A vida de aparências é definida pela busca incessante por validação externa,
onde a pergunta “O que as pessoas vão dizer?” limita nossa autenticidade e
provoca crises de identidade. Esse estilo de vida afeta gravemente a saúde
mental, causando ansiedade, depressão e esgotamento.
O consumismo reforça a busca por status, priorizando a aparência em detri-
mento do conteúdo. Para romper esse ciclo, é crucial cultivar autenticidade,
autoaceitação e uma consciência crítica, diminuindo a necessidade de aprova-
ção externa.
Essa análise nos conduz à questão clássica “Quem sou eu?”, que Sócrates já
investigava e que Kierkegaard aprofunda ao tratar o “desespero” como a des-
conexão do verdadeiro eu.
Segundo Kierkegaard, muitas pessoas se sentem perdidas porque estão imer-
sas no que ele chamou de “desespero”.
Desespero não é escuridão e desesperança (patologia), mas incapacidade de
alcançar um eu mais elevado, caracterizando-se como uma alienação do pró-
prio “eu”.
É um fenômeno universal, uma condição existencial na qual o indivíduo se
sente desconectado. É falta de autenticidade e de singularidade.
Kierkegaard identificou diferentes graus de desespero.
O mais comum é resultado da ignorância sobre a natureza do “eu”, sendo tão
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superficial que ele questiona se deveria ser considerado desespero.
O verdadeiro desespero emerge quando se desenvolve uma profunda aversão
pelo próprio “eu”. Por exemplo, ao fracassar em algo, a angústia não decorre
apenas do evento, mas da percepção de ser incapaz de alcançar o objetivo,
resultando na sensação de estar preso a um “eu” fracassado.
Kierkegaard propõe uma solução: encontrar paz e harmonia internas ao
termos a coragem de ser nosso verdadeiro “eu”, em vez de tentar ser outra
pessoa.
“Querer ser quem se é realmente é o oposto do desespero.” Assim, o desespe-
ro desaparece quando aceitamos nossa verdadeira natureza e paramos de ne-
gá-la.
Uma pessoa que abandona uma carreira moldada por pressões externas para
seguir suas verdadeiras paixões encontra paz, pois vive de acordo com sua
essência.
Muitas pessoas vivem de forma inautêntica quando:
1°) seguem as expectativas impostas pela sociedade;
2°) perdem de vista quem realmente são (formatação dos modos de sentir e
de pensar);
3°) negam sua individualidade, singularidade e autenticidade.
Eu já vivi isso: quase abandonei a filosofia por medicina.
A angústia é a “vertigem da liberdade” em que nós somos colocados diante do
“nada” da nossa existência enquanto pura possibilidade.
A angústia é um espaço existencial para uma autêntica experiência de si.
Sem sofrimento e sem angústia não existe nascimento (recuperação da pró-
pria vida).
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Fugimos e tememos as crises, porém, o termo “crise”, derivado do grego
“kríno” (distinguir, julgar), representa uma experiência essencial e positiva,
associada ao discernimento e à tomada de decisões.
Em vez de ser encarada apenas como destrutiva, a crise deve ser vista como
uma oportunidade para o crescimento, pois permite avaliar o passado e cons-
truir o futuro.
Kierkegaard nos alerta sobre a importância de sermos fiéis ao nosso verdadei-
ro “eu” para superar o desespero e encontrar autenticidade.
Da mesma forma, Heidegger aprofunda essa reflexão, destacando que o ser
humano existe ao questionar seu próprio sentido, projetando-se continua-
mente em busca de realização e vivendo de forma autêntica.
Segundo Heidegger, nós, humanos, somos capazes de existir (postura do “eu”
que se olha de fora).
Quando o ser humano pergunta pelo seu próprio sentido, então ele existe.
Existir é possibilidade, é abertura, é projeto.
Toda a sua vida torna-se um constante projetar-se, rumo a possíveis realiza-
ções, um lançar-se para a frente. É no caminho que se dá o sentido de existir.
Qual é o seu projeto?
O “eu” é um ser-aí no mundo, com os outros e para a morte.
Tem “vida inautêntica”:
1°) aquele que se dissolve na massa humana;
2°) aquele que teme a morte.
Tem “vida autêntica”:
1°) quem a assume como própria, quem a forja e a constrói segundo um plano
próprio,
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2°) quem aceita a morte.
A angústia nos tira da vida inautêntica e nos reconecta com nossa autenticida-
de.
Muitas vezes, passamos anos seguindo os desejos dos outros, acumulando
bens e experiências, até descobrirmos o que realmente nos faz felizes. É essen-
cial lembrar que o “propósito” não precisa ser grandioso; pequenas conquistas
ao longo da vida também trazem felicidade.
O problema não é a falta de tempo (temos cerca de 4 mil semanas), mas como
o usamos.
Eu sempre faço esse exercício: tenho 40 anos, ou seja, já vivi aproximadamen-
te de 2000 semanas. Cada escolha que fazemos ao longo dessas semanas
define a qualidade da nossa jornada.
O verdadeiro desafio é aceitar que não podemos fazer tudo e escolher com
sabedoria, abandonando a busca pela perfeição e a necessidade de validação
externa. Ao priorizar o essencial e limitar nossos projetos, vivemos de maneira
mais plena e autêntica.
Os gregos não mediam o tempo apenas pelo relógio, mas como um movimen-
to em direção ao ideal humano. Se encontrarmos um amigo após 10 anos e ele
estiver igual, com os mesmos defeitos, é como se o tempo não tivesse passa-
do. O verdadeiro tempo (temporalidade) se gera com a transformação.
Não adie o momento de levar sua vida a sério – a finitude nos dá o impulso ne-
cessário para projetar e evoluir. A filosofia surge exatamente por isso: animais
não filosofam, pois agem por instinto; deuses não o fazem, pois têm a eterni-
dade. Nós, humanos, filosofamos porque somos finitos.
“Não temos pouco tempo, mas desperdiçamos muito. A vida é longa o sufi-
ciente e nos foi dada generosamente para a realização das mais altas emprei-
tadas, se toda ela for bem empregada.” (Sêneca, Sobre a brevidade da vida).
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“Você ouvirá muitos que dirão: ‘quando eu tiver cinquenta anos me aposenta-
rei, aos sessenta anos, me retirarei dos cargos’. E quem garante que terá uma
vida tão longa? Quem aceitará que as coisas aconteçam de acordo com o que
deseja? (Sêneca, Sobre a brevidade da vida).
2. ANSIEDADE
A metáfora de dirigir em uma estrada com neblina ilustra a experiência da an-
siedade, que obscurece a clareza e o controle, gerando medo e incerteza. A an-
siedade provoca preocupações com futuros incertos e transforma situações
banais em ameaças (Amaral, Toda ansiedade merece um abraço).
No entanto, não é sempre negativa: em sua forma natural, é uma resposta do
corpo a perigos, ajudando a enfrentar desafios.
A ansiedade paralisante é intensificada pela cultura contemporânea, que
exalta a pressa e a produtividade. Atualmente, qualquer desvio do ideal de
“equilíbrio” – uma meta quase inatingível, simbolizada pelo equilibrista na
corda bamba – é estigmatizado, apesar de ser uma ficção de perfeição.
Lidar com emoções desagradáveis, como a ansiedade, é um processo contínuo
ao longo da vida, já que somos constantemente impactados por experiências
inesperadas.
A resiliência é a capacidade de transformar o sofrimento em aprendizado. No
entanto, os resilientes não são máquinas; são humanos que sofrem, choram,
sentem medo, ansiedade, ira e perdem o controle.
Quando a ansiedade paralisa, é essencial priorizar o autocuidado e buscar
ajuda. A ansiedade não é fraqueza ou exagero, mas um alerta de que precisa-
mos de atenção e cuidado.
Você não vive em constante estado de ansiedade. Dentro de você, há espaço
para a serenidade. Para amenizar a ansiedade, é fundamental permitir que o
prazer entre.
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Quais situações em sua vida proporcionam mais tranquilidade? Como mudaria
sua visão de si mesmo se deixasse de se identificar como uma “pessoa ansio-
sa”? Que adjetivo você escolheria para se definir nesse novo contexto? A
seguir, veremos como o estoicismo pode nos ajudar a cultivar essa serenidade
e autopercepção.
A apatia, no estoicismo, refere-se à libertação das emoções perturbadoras
(páthos), que impedem o pensamento claro.
Os estoicos defendiam a apatia (a + páthos), não como ausência de emoções,
mas como a harmonia entre emoção e razão.
Ser estoico significa viver em equilíbrio, mantendo pensamentos, emoções e
ações alinhados, sem perder o controle diante dos desafios cotidianos.
A lição central do estoicismo (Epicteto, Manual) é a dicotomia do controle: dis-
tinguir entre o que podemos controlar (nosso estado mental, como desejos,
aversões, impulsos e opiniões) e o que não podemos (as circunstâncias exter-
nas).
Ao aplicar essa sabedoria, você deixará de desperdiçar energia com o que não
pode mudar, adotando uma perspectiva mental mais saudável e equilibrada.
O que está sob seu controle e o que está fora de seu controle?
1) Você está preso em um engarrafamento (não controla).
2) Você está com raiva porque está atrasado para o trabalho (controla).
3) Seu amigo está triste por causa de uma separação recente (não controla).
4) Você está ansioso por causa de uma palestra que terá de fazer (controla).
5) Seu filho está doente (não controla).
6) Ocorreu uma tragédia em sua comunidade (não controla).
7) Você se sente culpado por algo que fez ontem (controla).
8) Seu voo está atrasado (não controla).
9) Você está indignado com algo que acabou de ler (controla).
10) Seu braço está quebrado (não controla).
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Agora, vamos aprender três disciplinas para pensar como um estoico.
Marco Aurélio, em Meditações diz: “em todos os lugares, a cada momento,
você tem a opção:
1. contentar-se com o que te acontece (Disciplina do Desejo),
2. tratar os outros com justiça (Disciplina da Ação)
3. e lidar com tuas ideias para que nada de irracional entre de forma sorrateira
(Disciplina do Consentimento).”
1. Disciplina do Desejo: você deve treinar a si mesmo para desejar apenas o
que sempre pode ter e temer apenas o que sempre pode evitar.
1°) Isole o presente: foque no presente, pois você não controla o passado e o
futuro (Marco Aurélio);
2°) Oportunidade infinita: todo desafio traz a chance de praticar a virtude.
Diante de dificuldades, pergunte: como posso crescer com isso? (Epicteto)
3°) Faça uma pausa e compare: adie sua escolha, compare o prazer imediato
com a virtude e tome uma decisão consciente que valorize o bem a longo
prazo (Epicteto);
4°) A visão de cima: pratique o exercício de imaginar-se de fora (Marco Auré-
lio).
2. Disciplina da Ação: temos de tomar decisões e assumir alguns riscos nesta
vida, mas agir não garante que alcançaremos o desejado.
1°) Cláusula de reserva: antídoto para a obsessão de controlar tudo – “Hoje à
tarde vou tirar as ervas daninhas do meu jardim, se não houver nada que
impeça isso de acontecer.” (Epicteto). Esse final de frase, “se não houver nada
que impeça isso de acontecer”, é poderoso;
2°) Duas missões: adicione ao seu objetivo a intenção de manter a felicidade e
harmonia, enfrentando os desafios com tranquilidade (Epicteto e Marco Auré-
lio);
3°) Duas alças: encare cada situação por dois ângulos, escolhendo o mais sábio
para lidar com dificuldades, evitando focar no negativo (Epicteto);
4°) Orientação matinal e revisão noturna: comece o dia lembrando-se de que
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encontrará desafios e revise à noite como lidou com eles, buscando constante
melhoria (Marco Aurélio).
3. Disciplina do Consentimento: ensina a prestar atenção ao nosso processo
de pensamento, filtrando as reações automáticas e escolhendo respostas
conscientes (Marco Aurélio). Há três etapas:
1°) algo acontece com você (impressão inicial): a tempestade causa uma
reação instintiva, como o pálido do rosto de Zenão;
2°) você reconhece o que aconteceu (representação objetiva): Zenão reconhe-
ce a tempestade como um fato, sem julgamentos emocionais;
3°) você acrescenta sua própria visão sobre os acontecimentos (juízo de valor):
em vez de temer o pior, Zenão opta por focar em manter a calma e agir de
forma eficaz. É nessa etapa que o estoico toma sua decisão consciente, esco-
lhendo agir com racionalidade e controle.
No mundo real, a vida é confusa e as disciplinas não se mantêm separadas. A
maioria dos desafios exige que você faça um uso adequado do consentimento,
ponha o foco em seus desejos da maneira certa e se concentre na melhor ação
possível.
Quanto mais você pratica, mais suas ferramentas estarão disponíveis quando
precisar delas. Reserve um momento para decidir como você gostaria de prati-
car as disciplinas. Que exercício você gostaria de praticar amanhã para come-
çar a incorporar a mentalidade estoica?
A ansiedade, com suas preocupações sobre o futuro e sensação de perda de
controle, pode ser enfrentada com os ensinamentos do estoicismo, que ofere-
ce ferramentas para lidar com essas emoções.
Se reconhecermos nossa insignificância no vasto universo de bilhões de anos
e incontáveis galáxias, nossos fracassos se tornam irrelevantes diante da imen-
sidão cósmica. Aceitar nossa pequena posição nos liberta da pressão por gran-
diosidade, permitindo focar no que realmente importa e viver plenamente,
sem ser consumido por ansiedade ou a busca por conquistas extraordinárias.
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3. COMPARAÇÃO
Há um projeto ingênuo de felicidade que permeia todos os espaços, especial-
mente nas redes sociais.
As pessoas começam a ver esse ideal de uma vida completa, plena e realizada
sendo constantemente propagado, e inevitavelmente se comparam a ele.
Há quatro obstáculos naturais ao projeto ingênuo de felicidade:
1°) A vida não é vocacionada para a harmonia e para a felicidade, mas para a
luta e para a sobrevivência:
Freud observou que a dor só ensina àqueles com coragem para ouvi-la. Se o
sofrimento realmente ensinasse, o mundo estaria povoado de sábios. A dor
não tem nada a ensinar àqueles que não encontram a coragem e a força para
escutá-la. Embora muitos busquem evitar o sofrimento através de distrações,
essas estratégias não o eliminam, mas o intensificam.
2°) O prazer só existe se há desprazer e um implica o outro:
A busca incessante por prazer e gratificação imediata pode desencadear um
ciclo vicioso, onde o prazer é seguido por dor, aumentando a vulnerabilidade à
ansiedade e à insatisfação.
3°) Choque entre o “princípio da realidade” e o “princípio do prazer”:
A realidade me obriga a adiar ou anular prazeres (Freud) e isso conspira sobre
a minha felicidade.
4°) A relação do eu com o outro é ambígua: é de amor e ódio
Eis a complexidade das relações: o outro é o inferno (Sartre), mas é também o
paraíso.
O projeto ingênuo de felicidade é a crença de que podemos alcançar uma vida
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perfeita e sem conflitos, constantemente promovida nas redes sociais.
É ingênuo porque ignora a realidade da vida, marcada por desafios, sofrimen-
tos e pela coexistência de prazer e dor, tornando a busca por uma felicidade
plena e constante impossível.
Ou seja, a vida é difícil, e devemos dizer isso. É mais difícil para alguns do que
para outros. Ninguém é imune ao sofrimento, ao fracasso, à dor.
Como você pode se reconciliar com as vidas que nunca levará, com as possibili-
dades que foram fechadas e com a nostalgia pela juventude perdida? Como
aceitar as falhas do passado, a sensação de futilidade nas tarefas que conso-
mem o presente e a perspectiva da morte que ofusca o futuro?
Devemos enfrentar as dificuldades em vez de negá-las. Quando amigos ofere-
cem consolo superficial ou justificam o sofrimento com frases como “tudo
acontece por um motivo”, acabam ignorando a realidade.
Abrir os olhos para o sofrimento significa encará-lo sem desviar o olhar. O que
precisamos é de reconhecimento e não de soluções rápidas ou receitas de au-
toajuda.
O ideal ingênuo de felicidade, amplamente difundido, intensifica a insatisfação
ao promover comparações constantes. Sócrates, ao contrário, nos ensina que
o autoconhecimento é essencial para viver uma vida virtuosa, livre dessas ilu-
sões.
A frase “conhece-te a ti mesmo”, inscrita no Oráculo de Delfos, foi vista como
um conselho de Apolo para todos, associando a razão e a reflexão com o de-
senvolvimento da filosofia, que busca o conhecimento e a verdade, tendo
Apolo como referência.
Sócrates reforçou a conexão entre Apolo e a filosofia nascente. Seu amigo
Querofonte perguntou ao oráculo de Delfos se havia alguém mais sábio que
Sócrates, e a resposta foi negativa. Sócrates, então, passou sua vida buscando
refutar essa afirmação, afirmando: “Só sei que nada sei”.
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“Uma vida não examinada não vale a pena ser vivida”. (Platão, Apologia).
Não significa: os outros modos de ser não merecem ser vividos, mas apenas os
dedicados ao autoconhecimento.
Significa: a única vida que vale a pena viver é uma vida virtuosa. Só posso viver
uma vida virtuosa se souber o que é “bom” e o “mau”. Uma vida inquestiona-
da é uma vida na ignorância. Logo, a vida irrefletida não vale a pena ser vivida.
Por exemplo, ao começar a estudar filosofia, percebi que viver sem questionar
minhas crenças e valores me mantinha em uma zona de conforto. Somente ao
refletir sobre o que é verdadeiramente bom e justo pude direcionar minhas
ações para uma vida mais virtuosa e consciente.
Escolher um modo de vida exige autoexame, pois sem essa reflexão, nenhuma
vida realmente vale a pena ser vivida. Devemos nos questionar sobre quem
somos, sem recorrer às respostas habituais como nome, profissão, hobbies,
origem ou identidade, e buscar uma existência na qual não desejaríamos
trocar de lugar com ninguém.
A comparação, especialmente comum nas redes sociais, impede essa satisfa-
ção ao nos fazer cobiçar caminhos não escolhidos. O desafio é viver com au-
tenticidade e sem arrependimentos, superando a tentação de medir nossa
vida pelas escolhas dos outros.
“O diabo desta vida é que entre cem caminhos temos que escolher apenas um,
e viver com a nostalgia dos outros noventa e nove.” (Sabino, O encontro mar-
cado).
Sócrates nos incentiva ao autoconhecimento, enquanto Kant nos desafia a
superar a dependência intelectual. Ambos alertam contra a comparação e des-
tacam a importância da autonomia e reflexão crítica.
“Sapere aude” é um lema latino de Horácio: “Aquele que começou já tem
metade do caminho andado: ouse saber”. Kant, na obra Resposta à pergunta:
que é Esclarecimento?, o utiliza como o lema do Iluminismo.
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Menoridade: incapacidade de usar o próprio entendimento sem ser auxiliado
por outra pessoa.
Maioridade: ser autônomo e livre.
Nós somos culpados pela menoridade.
Você precisa ser corajoso e fazer uso de seu próprio entendimento: sapere
aude (ouse saber).
As principais causas que impedem o seu esclarecimento estão no comodismo,
na preguiça e na covardia. Isto está tão enraizado na vida das pessoas, em seu
cotidiano, em todos seus trabalhos, que se torna natural, cômodo.
Existem pessoas que acabam tirando proveito da situação, obrigando outras
pessoas a viverem sob seu domínio.
Por isso é que muitos não sabem como lidar com a liberdade quando a pos-
suem.
Há pessoas, no entanto, que são o contrário às pessoas preguiçosas e covar-
des. São aqueles “indivíduos capazes de pensamento próprio”.
Lembre-se: sapere aude. Seja senhor de si mesmo. Saia da paralisia, mesmo
que você sofra atropelos no início do caminhar. Caia, mas levante-se sem se
deixar intimidar.
“A verdadeira revolução deve ser a mudança de pensamento das pessoas.”
(Kant, Resposta).
As redes sociais criam um ciclo de comparações e frustrações ao exibir versões
editadas da vida, o que pode prejudicar a autoestima e causar ansiedade.
Esse ambiente distorcido afasta as pessoas de seus próprios valores e objeti-
vos, levando-as a perseguir padrões irreais.
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Desenvolver uma consciência crítica e valorizar conquistas pessoais são passos
essenciais para mitigar esses efeitos negativos.
A filosofia nos ensina a cultivar o autoconhecimento e a reflexão crítica, aju-
dando-nos a identificar nossos verdadeiros valores e propósitos, livres da vida
de aparências, da ansiedade e das constantes comparações. A filosofia nos
ajuda a combater os vilões da vida moderna.