ARTIGOS by Eduardo Carli de Moraes

Nietzsche foi um dos pensadores que mais intensamente dedicou-se ao estudo e interpretação da tra... more Nietzsche foi um dos pensadores que mais intensamente dedicou-se ao estudo e interpretação da tragédia, considerada não somente como gênero artístico mas como uma visão-de-mundo. Em uma época de seu percurso intelectual marcada pelos estudos filológicos e pela profunda influência de Schopenhauer e Wagner, busca compreender a tragédia de Sófocles e Ésquilo como uma aliança entre Apolo e Dionísio, divindades gregas da arte. Nietzsche especula também sobre a ascensão de Sócrates e do platonismo, fenômeno tido como precursor do cristianismo e de uma perspectiva existencial nas antípodas do trágico. A obra de Shakespeare, comentada por Nietzsche em alguns aforismos esparsos, oferece-nos uma oportunidade fecunda de refletir sobre o trágico sob uma perspectiva nietzschiana, o que realizamos com o auxílio de autores como Harold Bloom, Jan Kott, Leon Chestov e Rüdiger Safranski, dentre outros. Nosso objetivo é delinear algumas das formulações nietzschianas a respeito da tragédia e aclarar com exemplos retirados das obras de Shakespeare as razões que levaram o filósofo alemão a sustentar que o bardo inglês possui uma sabedoria ética superior àquela que caracteriza o socratismo.

"A Humanidade como Fraternidade permanece no horizonte das utopias. A cada passo em sua direção q... more "A Humanidade como Fraternidade permanece no horizonte das utopias. A cada passo em sua direção que damos, para relembrar um célebre dito de Galeano, a utopia dá dez passos para trás. Como se fugisse do abraço. Como se nos quisesse forçar a ser camelos no deserto, em busca de oásis incerto, pelos séculos e milênios. Já são mais de 3 décadas desde que John Lennon imaginou, sentado ao piano branco, que não haveria mais céu nem inferno, apenas uma “brotherhood of man”. Mas ele, que só estava dizendo “dê uma chance à paz”, acabou assassinado.
Outro célebre pacifista, que peregrinou de pés descalços por toda a Índia, tentando ensinar a hindus, muçulmanos e sikhs a arte da convivência pacífica e do respeito à multilicidade e à diferença, dizia: “O olho-por-olho vai deixar o mundo todo cego.” A triste verdade é que a cegueira venceu: também Gandhi foi assassinado e seu ideal foi tripudiado pela catástrofe histórica da Partição Índia / Paquistão. Em 1947, o pior dos pesadelos gandhianos se tornou realidade quando estourou a guerra civil entre hindus e muçulmanos. O saldo trágico do conflito: mais de 1 milhão de mortos e mais de 7 milhões de refugiados.
Invocar uma canção de Lennon, um dito sábio de Gandhi, um convite à caminhada de Galeano: de que serve isso diante da desumanidade dos assassinos, diante do militarismo brucutu dos tiranos? Cantar sobre a beleza das flores e dos pássaros algum dia já impediu os tanques-de-guerra de marcharem sobre os jardins e de metralharem os sabiás? Clamar para que o valor da vida humana seja respeitado é o bastante para dissuadir os homens de uniforme, armados por seus Estados com licença-para-matar?
“A humanidade é desumana”, cantava Renato Russo, que encontrava razões para ser otimista no fato de “que o Sol não nasce pra todos (e só não sabe quem não quer)”. O Sol pode até ser o mesmo, mas é bem diferente vê-lo nascer de uma cobertura de luxo em Ipanema ou Miama, e vê-lo nascer em um campo de refugiados na Palestina.
Em Gaza, hoje o Sol ilumina uma pilha de cadáveres, uma multidão de estropiados, um oceano de lágrimas. Às vezes me pergunto se o Sol não tem vergonha de iluminar certas realidades que meus olhos consideram obscenas. Por que ele não protesta e se recusa a nascer? Suspeito que também o Sol seja desumano..."
To listen attentively, to care deeply, to speak fearlessly: these are some of the many virtues of... more To listen attentively, to care deeply, to speak fearlessly: these are some of the many virtues of our brave sister, Arundhati Roy. Even if she never writes another book of fiction, she already deserves a place in the history of English-language literature: The God Of Small Things, the winner of 1998's Booker Prize Award, can be easily included in the Olympus of the 20th century's true masterpieces in the realm of novels. Her story-telling talents are such that it's hard not to get hooked on the tale she's telling so compellingly: The God Of Small Things entrances with its language, seduces withs its humour, and then delivers, apart from a delicious verbal banquet, a blood-soaked tragedy.

Em O Pesadelo da Razão, Ernst Pawel sugere que a vida e a obra de Kafka seriam uma longa reflexão... more Em O Pesadelo da Razão, Ernst Pawel sugere que a vida e a obra de Kafka seriam uma longa reflexão sobre um estranho fenômeno que “está longe de ser raro”: “O prisioneiro que anseia pela liberdade e que, quando enfim se abrem os portões, recusa-se a sair.” (PAWEL: pg. 188) Desde 1908 até o fim de sua vida, em 1924, o Doutor em Direito Franz Kafka trabalhou como funcionário do Instituto de Seguros de Acidentes do Trabalhador, em Praga, no Reino da Boêmia. Este setor da burocracia do Império Austro-Húngaro era uma espécie de escritório de advocacia que lidava com casos de trabalhadores feridos em serviço. Este Instituto “era responsável por bem mais de 35.000 empresas industriais”, de portes variáveis, espalhadas por um imenso território - o que às vezes exigia que Kafka viajasse para cantos do Império onde nunca antes estivera.
Em seu trabalho cotidiano, tinha que lidar com dúzias e dúzias de casos de “desgraçados”: os “Lulas” anônimos do proletariado machucado, aqueles que perdem dedos nas linhas-de-montagem ou acabam sendo tragados - como Carlitos em Tempos Modernos - pelas engrenagens. Kafka convive diariamente com casos de pessoas que, por exaustão ou distração passageira, não acompanham o ritmo da mecânica industrial, descuidam das cadências e acabam pagando o preço em membros decepados e outras desgraças.
De modo indireto, portanto, como explora Michael Löwy em Kafka: Sonhador Insubmisso, a obra kafkiana conteria uma aguda crítica ao mundo capitalista – burocratizado, mecânico, explorador, insano. O escritório onde Kafka trabalhava pretendia regular as relações entre patrões e empregados em casos trágicos de mutilação, invalidez permanente ou mesmo morte no serviço. “Esta experiência ao lidar com as reclamações de invalidez e morte em benefício de trabalhadores mutilados ou mortos em suas funções serviram para reforçar a identificação instintiva com os oprimidos que definiu sua orientação política manifesta.” (PAWEL: O Assalto à Razão, p. 183)

Clément Rosset, em sua obra Schopenhauer: Filósofo do Absurdo, enfatiza a importância histórica d... more Clément Rosset, em sua obra Schopenhauer: Filósofo do Absurdo, enfatiza a importância histórica do autor de O Mundo Como Vontade e Representação, destacando que a primazia concedida à Vontade, e não à Razão, está entre as inovações que tornaram o filósofo uma figura de tamanha influência sobre a posteridade.
Rosset considera Schopenhauer como um precursor de grandes correntes de pensamento posteriores a ele, tendo influenciado os rumos da psicanálise freudiana, do procedimento “genealógico” nietzschiano, do existencialismo francês, dentre muitos outros pensadores e artistas.
Neste artigo, analiso as doutrinas éticas e estéticas de Schopenhauer: a valorização da compaixão, a percepção da unidade da vontade, a experiência estética como superação do dualismo sujeito-objeto, o misticismo de inspiração budista, dentre outros temas conexos.
Trabalho de conclusão de disciplina, aprovado pela professora Mária Lúcia Cacciola, na Universidade de São Paulo (USP).
Maybe the thrill in our veins when we read Nietzsche derives from the sense of danger that his wo... more Maybe the thrill in our veins when we read Nietzsche derives from the sense of danger that his words exhale: he's inviting us to dance near the abyss, and without safety nets. Nietzsche desires life to be risky and full of surprises, and is furious against all tendencies of sheepish conformity. A true lover of art and poetry, Nietzsche was both a great thinker and a great artist -one who claimed that "we have art so that we might not die of the truth." For him, an authentic "free spirit" doesn't shy away from confrontation with the riddles of existence, even the most scary and painful ones: if you want knowledge, you'll have to face the monsters of the abyss, and let the abyss stare into you!

Evocando a imagem de Alexandre e Bucéfalo, Alain (1868-1951) inicia seu livro de reflexões sobre ... more Evocando a imagem de Alexandre e Bucéfalo, Alain (1868-1951) inicia seu livro de reflexões sobre a felicidade, Propos Sur Le Bonheur, publicado em 1928. O pavor de Bucéfalo diante de sua sombra é lido por Alain como um símbolo do descontrole e da inquietude que as paixões exercem sobre suas vítimas. Alexandre, por sua vez, aparece nesta parábola como representante da inteligência, da racionalidade, capaz de serenizar os arroubos irracionais e controlar a selvageria do temor e da intranquilidade.
Eis algo que deve soar bem familiar àqueles acostumados a flanar pela história da filosofia, onde é recorrente a ideia de que a Razão deve agir como um cavaleiro que doma o corcel selvagem da Emoção. Enquanto formos semelhantes a Bucéfalo, ou seja, aterrorizados por fenômenos que não compreendemos, que nos assustam justamente pois somos ignorantes de suas verdadeiras causas, estaremos bem longe da serenidade e daquilo que em francês é conhecido pelo bela expressão la joie de vivre.
O que também me parece notável, e que eu gostaria de explorar mais a fundo na sequência, é que o “caso Bucéfalo” nos permite refletir sobre o medo distinguindo entre suas manifestações legítimas e aquilo que eu chamaria de um medo-sem-fundamento.

“In 1968 dread was the currency. It was what kept you up all night, and not just the night Bobby ... more “In 1968 dread was the currency. It was what kept you up all night, and not just the night Bobby Kennedy was shot… Dread was why every day could feel like a trap. (…) The feeling that the country was coming apart – that, for what looked and felt like a casually genocidal war in Vietnam, the country had commited crimes so great they could not be paid, that the country deserved to live out its time in its own ruins – was so visceral that the presidential election felt like a sideshow. In this setting, the Doors were a presence. They were a band people felt they had to see – not to learn, to find out, to hear the message, to get the truth, but to be in the presence of a group of people who appeared to accept the present moment at face value. In their whole demeanor – unsmiling, no rock’n’roll sneer but a performance of mistrust and doubt – they didn’t promise happy endings. Their best songs said happy endings weren’t interesting, and they weren’t deserved.”
GREIL MARCUS, The Doors: A Lifetime of Listening to 5 Mean Years, New York: Public Affairs, 2011, pgs. 95-96.
DISSERTAÇÃO DE MESTRADO by Eduardo Carli de Moraes

MORAES, E. C. Além da metafísica e do niilismo: a sabedoria trágica de Nietzsche.
Dissertação ... more MORAES, E. C. Além da metafísica e do niilismo: a sabedoria trágica de Nietzsche.
Dissertação (Mestrado em Filosofia), Universidade Federal de Goiás. 2013.
Esta dissertação de mestrado tem por objetivo refletir sobre a filosofia de Friedrich Nietzsche (1844-1900), compreendida como tentativa de superação tanto da metafísica quanto do niilismo. Destaca-se a valorização nietzschiana de um pensamento dotado de senso histórico, fiel ao devir ininterrupto do real, o que implica em uma cosmovisão
semelhante à de Heráclito. Defende-se que a posição peculiar de Nietzsche na história da filosofia moral consiste na análise crítica da multiplicidade de diferentes valorações morais, sempre remetidas a suas fontes humanas (demasiado humanas). Através da atenção às circunstâncias e condições de surgimento, desenvolvimento e ocaso dos diversos ideais, valores morais e doutrinas religiosas, procuramos mostrar como Nietzsche constitui uma filosofia que rompe com a noção de valores divinos e imutáveis, além de des-estabilizar crenças em verdades absolutas. De modo a ilustrar o método genealógico nietzschiano em operação, investigam-se fenômenos como o ressentimento e o ascetismo, re-inseridos no fluxo histórico e compreendidos a partir de seus pressupostos psicológicos, fisiológicos e sócio-políticos. Com base em ampla pesquisa bibliográfica da obra de Nietzsche e comentadores (como Jaspers, Wotling, Rosset, Giacoiua, Moura, Ferraz, dentre outros), argumenta-se que a filosofia nietzschiana realiza uma ultrapassagem da cisão platônico-cristã entre dois mundos, além de uma superação do dualismo entre corpo e espírito. Procura-se descrever como a filosofia anti-idealista de Nietzsche, avessa ao absolutismo e ao sobrenaturalismo, age como uma “escola da suspeita”, convidando-nos a um filosofar liberto de subserviência,
credulidade e obediência acrítica à tradição. Explora-se também a temática da “morte de Deus” e da derrocada dos valores judaico-cristãos, além da concomitante escalada do
niilismo, no contexto de uma filosofia que busca sugerir e abrir novas vias para a aventura humana ao mobilizar conceitos como amor fati, além-do-homem e “fidelidade à terra”. Nietzsche é compreendido não somente em seu potencial crítico, demolidor da tradição idealista e metafísica, mas também como criador de uma sabedoria trágica e dionisíaca que se posiciona nas antípodas tanto dos ideais ascéticos quanto dos ideários niilistas.
PALAVRAS-CHAVE: Friedrich Nietzsche, Sabedoria Trágica, Crítica à Metafísica, Niilismo, Ética.
Interviews by Eduardo Carli de Moraes
A PMC busca, fundamentalmente, a mudança social. Sem
transformar a cultura, não é possível pensa... more A PMC busca, fundamentalmente, a mudança social. Sem
transformar a cultura, não é possível pensar qualquer possibilidade de provocar mudanças duradouras no processo de constituição dos fenômenos psicológicos. Em uma acepção mais precisa, a PMC possibilita a análise de processos psicossociais e enfatiza os fatores macroculturais (instituições sociais, artefatos e conceitos culturais) com a finalidade de criticar processos deletérios na sociedade contemporânea.
A partir de tais considerações, a proposta de fazer uma entrevista com o pesquisador Carl Ratner se justifica, prioritariamente, pela necessidade de divulgar e aprofundar, no Brasil, um campo de estudos em expansão especificamente a partir dos anos 1990 nos Estados Unidos da América e na Europa: a Psicologia Cultural. A entrevista foi realizada no dia 06 de novembro de 2013.
V. 4, n. 1, jan/jun 2013 by Eduardo Carli de Moraes

Nietzsche foi um dos pensadores que mais intensamente dedicou-se ao estudo e interpretação da tra... more Nietzsche foi um dos pensadores que mais intensamente dedicou-se ao estudo e interpretação da tragédia, considerada não somente como gênero artístico, mas como uma visão-de-mundo. Em uma época de seu percurso intelectual marcada pelos estudos filológicos, quando estava ainda sob profunda influência de Schopenhauer e Wagner, Nietzsche busca compreender a tragédia de Sófocles e Ésquilo como uma aliança entre Apolo e Dionísio, divindades gregas da arte. Nietzsche especula também sobre a ascensão de Sócrates e do platonismo, fenômeno tido como precursor do cristianismo e de uma perspectiva existencial nas antípodas do trágico. A obra de Shakespeare, comentada por Nietzsche em alguns aforismos esparsos, oferece-nos uma oportunidade fecunda de refletir sobre o trágico sob uma perspectiva nietzschiana, o que realizamos com o auxílio de autores como Harold Bloom, Jan Kott, Leon Chestov e Rüdiger Safranski, dentre outros. Nosso objetivo é delinear algumas das formulações nietzschianas a respeito da tragédia e aclarar com exemplos retirados das obras de Shakespeare as razões que levaram o filósofo alemão a sustentar que o bardo inglês possui uma sabedoria ética superior àquela que caracteriza o socratismo.
Drafts by Eduardo Carli de Moraes

Projeto de Doutorado-2020 / Proponente: Eduardo Carli de Moraes 1. Tema: Entre utopias e distopia... more Projeto de Doutorado-2020 / Proponente: Eduardo Carli de Moraes 1. Tema: Entre utopias e distopias-A filosofia da arte em interlocução com o cinema de ficção científica. Linha de pesquisa: a) Estética e Filosofia da Arte. 2. Caracterização do problema: Diante das emergências e crises contemporâneas, sobretudo as novas pandemias viróticas e as mudanças climáticas antropogênicas, a especulação sobre o porvir coletivo torna-se um foco de investigação dos mais pertinentes e inadiáveis para a filosofia. Vivemos numa época em que acumulam-se evidências de uma degradação sócio-ambiental sem precedentes nos últimos milênios: a Humanidade, como força conjunta que hoje engloba mais de 7,8 bilhões de indivíduos, vem impondo transformações de vasta escala ao planeta e sua biosfera. Esta nova conjuntura está repleta de desafiadores dilemas: no limiar da Quarta Revolução Industrial (cf. Schwab 1), diante do advento da era geológica do Antropoceno (cf. Crutzen 2), estamos em meio à sexta extinção em massa da biodiversidade planetária (cf. Kolbert 3)...

A Casa de Vidro, 2020
Em artigos publicados em The Intercept Brasil e que integram seu livro "Sobre Lutas e Lágrimas", ... more Em artigos publicados em The Intercept Brasil e que integram seu livro "Sobre Lutas e Lágrimas", o jornalista Mário Magalhães (que também é o autor da biografia de Marighella que Wagner Moura adaptou para o cinema) já denunciava desde 2018 o "parentesco do ideário bolsonarista com o arsenal ideológico nazi". Um dos elos mais fortes que une o Bolsonarismo e o Hitlerismo está no feroz combate que ambas ideologias buscam empreender contra o fantasma do "marxismo cultural". Para contribuir com este debate, na alvorada de 2020 e já entrando em seu 20º ano de existência, a Editora Expressão Popular publica Dialética do Marxismo Cultural (69 pgs, R$ 3) , um panfleto crucial para a compreensão do imbróglio em que atualmente nos debatemos. Doutora em Filosofia pela Universidade de São Paulo (USP), a autora Iná Camargo Costa busca rastrear fontes originais do conceito de "marxismo cultural". Neste artigo, descubra mais sobre este tema.

Não é à toa que " identidade " e " idêntico " são palavras tão semelhantes. O sujeito dotado de i... more Não é à toa que " identidade " e " idêntico " são palavras tão semelhantes. O sujeito dotado de identidade é aquele que, supostamente, permanece idêntico a si mesmo. Flui através do tempo conservando intacta sua identidade, como uma espécie de diamante que a ferrugem nunca corrói. Assim como os anjos da mitologia não envelhecem com o devir, nem nunca se ouviu falar de querubins com mal de Alzheimer, as identidades seriam entes angelicais, intocáveis pelo poderio tão vasto e profundo do Tempo-Rio, criança que corre sem cessar no frescor de sua juventude infatigável. Os documentos de identidade que nos servem como números identificatórios no seio da comunidade civil também pretendem ser imutáveis: não conheço quem tenha mudado de RG ou CPF, ainda que já esteja na décima solicitação de uma segunda via… Tanto a linguagem consolidada, quanto as instituições políticas, parecem exigir de cada pessoa que seja um eu dotado de identidade fixa, sólida, como se algo em mim, algo em ti, sobrevivesse do berço ao túmulo, como se algo de indestrutível unisse o bebê ao ancião – a mesma identidade diamantina que os ventos do tempo jamais são capazes de abalar. Há nessa crença no si que não muda algo de falacioso, de ilusório, algo que os filósofos materialistas, pela História afora, não cessam de denunciar nos seus adversários, os idealistas. A filosofia materialista, com a epistemologia e a ética que lhe são consubstanciais, anunciam um outro tipo de si, jamais idêntico a si mesmo, jamais mônada isolada de outros sis, mas sim um si inerentemente em fluxo, necessariamente envolvido numa teia relacional. Um si inseparável do social, e que só pode ser compreendido em suas interações com outros sis...

“Depois da morte de Deus e do desmoronamento das utopias, sobre qual base intelectual e moral que... more “Depois da morte de Deus e do desmoronamento das utopias, sobre qual base intelectual e moral queremos construir nossa vida comum?” (TODOROV: 2006, p. 9) Com esta questão, que inaugura sua obra O Espírito das Luzes, Tzvetan Todorov situa alguns dos dilemas e desafios que enfrentamos diante do colapso da credibilidade da metafísica, com a consequência de que a ética e a política vivenciam uma espécie de crise do sagrado e necessidade de reinvenção em outras bases (imanentes e não mais transcendentes; profanas e não mais teológicas). Estes dilemas são alvo de reflexão de muitos pensadores/cientistas de relevância: da “morte de Deus” diagnosticada por Nietzsche ao “desencantamento do mundo” de que fala Max Weber, da noção de que “a religião é o ópio do povo” de Karl Marx à polêmica que opõe o criacionismo à teoria da evolução de Charles Darwin.
Na atualidade, uma caudalosa literatura, multidisciplinar e plurinacional, têm sido publicada no âmbito das críticas materialistas à religião, com pelo menos duas vertentes importantes: a anglo-saxã (Richard Dawkins, Daniel Dennett, Christopher Hitchens, Sam Harris etc.) e a francesa (Michel Onfray, André Comte-Sponville, Marcel Conche etc.)1. De modo sumário, podemos dizer que estes autores formulam argumentos que buscam provar a inexistência de Deus2; defendem a laicidade do Estado e criticam todo tipo de fanatismo, obscurantismo e fundamentalismo; afirmam a possibilidade de uma ética secular, a-religiosa, plenamente terrena, sem recompensas ou punições do além-túmulo; desenvolvem argumentos sobre a sabedoria, as virtudes, o bem-comum, considerados sempre na perspectiva desta vida e deste mundo etc.
No âmbito destas discussões, percebemos a recorrência de um problema filosófico muito debatido e que parece ter o dom de jamais receber resposta definitiva: não só a questão da existência de Deus, da alma imortal e do livre arbítrio, mas o debate sobre necessidade (ou não) da fé como fundamento para a ética e a política. Um dos nossos focos principais de nosso trabalho será a crítica empreendida pelas filosofias materialistas das conexões entre moral e religião, entre teologia e política.
A primeira delimitação de nosso tema consiste na eleição, como objetos de estudo, apenas dos filósofos da tradição materialista, que integram a “linha de Demócrito” de que fala Lenin (1962), que a contrastava com a “linha de Platão”. Estão colocados no ringue de batalha, pois, os dois velhos adversários: o materialismo e o idealismo.
A segunda delimitação temática consiste na primazia que concederemos em nossos estudos aos filósofos do materialismo de duas épocas:
I) na França do séc. XVIII, no período pré-Revolução Francesa, na obra dos radicais das “Luzes” (o Iluminismo ou Esclarecimento), em especial o barão D'Holbach (cuja magnum opus é O Sistema da Natureza), La Mettrie (autor de O Homem Máquina), Helvétius (cujos tratados Do Espírito e Do Homem marcaram época) e Denis Diderot (que além de filósofo foi autor também de obras literárias como A Religiosa, Jacques, o Fatalista e O Sobrinho de Rameau).Vale ressaltar que estes materialistas do séc. XVIII tiveram precursores, no século anterior, em figuras como Pierre Bayle, Jean Méslies e Pierre Gassendi (1592 – 1655), fontes em que também buscaremos pesquisar, dada a relevância deles como prefiguradores tanto do materialismo iluminista quanto do marxisma. Como escreve Onfray:
De fato, no verso do cartão-postal da historiografia dominante encontram-se felizmente pensadores candidatos à forca que celebram a volúpia desculpabilizada, anunciam a morte de Deus, professam a coletivização das terras, conclamam a estrangular os aristocratas com as tripas dos padres, incitam a filosofar para os pobres e para o povo, creem na possibilidade de mudar o mundo, ensinam uma moral eudemonista, se não hedonista, contam com a justiça dos homens. Chamo-os de ultras das Luzes, pois eles encarnam um pensamento radical. Ora, o que é um pensamento radical? Retomemos simplesmente a definição dada por Marx na sua Crítica da filosofia do direito de Hegel: ser radical é tomar as coisas pela raiz. (ONFRAY: 2012, p. 34)
II) No século XIX, com a emergência do materialismo marxista, doutrina com enraizamento filosófico nas fontes atomistas gregas (Demócrito e Epicuro) e também nos materialistas franceses como Holbach, Helvétius etc. (vide item I). Em sua relação crítica e construtiva com o materialismo iluminista francês, pode-se dizer que Marx aumenta o ímpeto prático e transformador que o anima e que ele ganha “carne” como movimento político, força coletiva organizada, ímpeto revolucionário. Parece-nos que é bem conhecida e estudada a relação crítica que o marxismo estabeleceu com o idealismo alemão, em especial sua empreitada crítica contra Hegel e os hegelianos de esquerda como Bruno Bauer. Também é notória e bastante pesquisada a influência determinante exercida pelo materialismo ateu de Feuerbach ou pela teoria econômica-política anarquista de Proudhon sobre o pensamento do jovem Marx, que depois desenvolverá também uma crítica destes seus antigos mestres. Porém, nosso trabalho pretende focar a atenção nas relações, que parecem-nos menos pesquisadas e conhecidas, de Marx com a tradição materialista dos sécs. XVII e XVII no Iluminismo francês (Helvétius, D'Holbach, La Mettrie etc.). Ou seja, desejamos explorar sobretudo de que modo foi importante para a configuração da teoria e da práxis marxistas o influxo do materialismo iluminista francês, dos “ultras das Luzes”, como os chama Michel Onfray nos volumes da Contra-História da Filosofia a eles dedicados.
LEIA NA ÍNTEGRA:
Papers by Eduardo Carli de Moraes

Nietzsche foi um dos pensadores que mais intensamente dedicou-se ao estudo e interpretacao da tra... more Nietzsche foi um dos pensadores que mais intensamente dedicou-se ao estudo e interpretacao da tragedia, considerada nao somente como genero artistico mas como uma visao-de-mundo. Em uma epoca de seu percurso intelectual marcada pelos estudos filologicos e pela profunda influencia de Schopenhauer e Wagner, busca compreender a tragedia de Sofocles e Esquilo como uma alianca entre Apolo e Dionisio, divindades gregas da arte. Nietzsche especula tambem sobre a ascensao de Socrates e do platonismo, fenomeno tido como precursor do cristianismo e de uma perspectiva existencial nas antipodas do tragico. A obra de Shakespeare, comentada por Nietzsche em alguns aforismos esparsos, oferece-nos uma oportunidade fecunda de refletir sobre o tragico sob uma perspectiva nietzschiana, o que realizamos com o auxilio de autores como Harold Bloom, Jan Kott, Leon Chestov e Rudiger Safranski, dentre outros. Nosso objetivo e delinear algumas das formulacoes nietzschianas a respeito da tragedia e aclarar co...

Esta dissertacao de mestrado tem por objetivo refletir sobre a filosofia de Friedrich Nietzsche (... more Esta dissertacao de mestrado tem por objetivo refletir sobre a filosofia de Friedrich Nietzsche (1844-1900), compreendida como tentativa de superacao tanto da metafisica quanto do niilismo. Destaca-se a valorizacao nietzschiana de um pensamento dotado de senso historico, fiel ao devir ininterrupto do real, o que implica em uma cosmovisao semelhante a de Heraclito. Defende-se que a posicao peculiar de Nietzsche na historia da filosofia moral consiste na analise critica da multiplicidade de diferentes valoracoes morais, sempre remetidas a suas fontes humanas (demasiado humanas). Atraves da atencao as circunstâncias e condicoes de surgimento, desenvolvimento e ocaso dos diversos ideais, valores morais e doutrinas religiosas, procuramos mostrar como Nietzsche constitui uma filosofia que rompe com a nocao de valores divinos e imutaveis, alem de des-estabilizar crencas em verdades absolutas. De modo a ilustrar o metodo genealogico nietzschiano em operacao, investigam-se fenomenos como o ressentimento e o ascetismo, re-inseridos no fluxo historico e compreendidos a partir de seus pressupostos psicologicos, fisiologicos e socio-politicos. Com base em ampla pesquisa bibliografica da obra de Nietzsche e comentadores (como Jaspers, Wotling, Rosset, Giacoiua, Moura, Ferraz, dentre outros), argumenta-se que a filosofia nietzschiana realiza uma ultrapassagem da cisao platonico-crista entre dois mundos, alem de uma superacao do dualismo entre corpo e espirito. Procura-se descrever como a filosofia anti-idealista de Nietzsche, avessa ao absolutismo e ao sobrenaturalismo, age como uma “escola da suspeita”, convidando-nos a um filosofar liberto de subserviencia, credulidade e obediencia acritica a tradicao. Explora-se tambem a tematica da “morte de Deus” e da derrocada dos valores judaico-cristaos, alem da concomitante escalada do niilismo, no contexto de uma filosofia que busca sugerir e abrir novas vias para a aventura humana ao mobilizar conceitos como amor fati, alem-do-homem e “fidelidade a terra”. Nietzsche e compreendido nao somente em seu potencial critico, demolidor da tradicao idealista e metafisica, mas tambem como criador de uma sabedoria tragica e dionisiaca que se posiciona nas antipodas tanto dos ideais asceticos quanto dos idearios niilistas.
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ARTIGOS by Eduardo Carli de Moraes
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Outro célebre pacifista, que peregrinou de pés descalços por toda a Índia, tentando ensinar a hindus, muçulmanos e sikhs a arte da convivência pacífica e do respeito à multilicidade e à diferença, dizia: “O olho-por-olho vai deixar o mundo todo cego.” A triste verdade é que a cegueira venceu: também Gandhi foi assassinado e seu ideal foi tripudiado pela catástrofe histórica da Partição Índia / Paquistão. Em 1947, o pior dos pesadelos gandhianos se tornou realidade quando estourou a guerra civil entre hindus e muçulmanos. O saldo trágico do conflito: mais de 1 milhão de mortos e mais de 7 milhões de refugiados.
Invocar uma canção de Lennon, um dito sábio de Gandhi, um convite à caminhada de Galeano: de que serve isso diante da desumanidade dos assassinos, diante do militarismo brucutu dos tiranos? Cantar sobre a beleza das flores e dos pássaros algum dia já impediu os tanques-de-guerra de marcharem sobre os jardins e de metralharem os sabiás? Clamar para que o valor da vida humana seja respeitado é o bastante para dissuadir os homens de uniforme, armados por seus Estados com licença-para-matar?
“A humanidade é desumana”, cantava Renato Russo, que encontrava razões para ser otimista no fato de “que o Sol não nasce pra todos (e só não sabe quem não quer)”. O Sol pode até ser o mesmo, mas é bem diferente vê-lo nascer de uma cobertura de luxo em Ipanema ou Miama, e vê-lo nascer em um campo de refugiados na Palestina.
Em Gaza, hoje o Sol ilumina uma pilha de cadáveres, uma multidão de estropiados, um oceano de lágrimas. Às vezes me pergunto se o Sol não tem vergonha de iluminar certas realidades que meus olhos consideram obscenas. Por que ele não protesta e se recusa a nascer? Suspeito que também o Sol seja desumano..."
Em seu trabalho cotidiano, tinha que lidar com dúzias e dúzias de casos de “desgraçados”: os “Lulas” anônimos do proletariado machucado, aqueles que perdem dedos nas linhas-de-montagem ou acabam sendo tragados - como Carlitos em Tempos Modernos - pelas engrenagens. Kafka convive diariamente com casos de pessoas que, por exaustão ou distração passageira, não acompanham o ritmo da mecânica industrial, descuidam das cadências e acabam pagando o preço em membros decepados e outras desgraças.
De modo indireto, portanto, como explora Michael Löwy em Kafka: Sonhador Insubmisso, a obra kafkiana conteria uma aguda crítica ao mundo capitalista – burocratizado, mecânico, explorador, insano. O escritório onde Kafka trabalhava pretendia regular as relações entre patrões e empregados em casos trágicos de mutilação, invalidez permanente ou mesmo morte no serviço. “Esta experiência ao lidar com as reclamações de invalidez e morte em benefício de trabalhadores mutilados ou mortos em suas funções serviram para reforçar a identificação instintiva com os oprimidos que definiu sua orientação política manifesta.” (PAWEL: O Assalto à Razão, p. 183)
Rosset considera Schopenhauer como um precursor de grandes correntes de pensamento posteriores a ele, tendo influenciado os rumos da psicanálise freudiana, do procedimento “genealógico” nietzschiano, do existencialismo francês, dentre muitos outros pensadores e artistas.
Neste artigo, analiso as doutrinas éticas e estéticas de Schopenhauer: a valorização da compaixão, a percepção da unidade da vontade, a experiência estética como superação do dualismo sujeito-objeto, o misticismo de inspiração budista, dentre outros temas conexos.
Trabalho de conclusão de disciplina, aprovado pela professora Mária Lúcia Cacciola, na Universidade de São Paulo (USP).
Eis algo que deve soar bem familiar àqueles acostumados a flanar pela história da filosofia, onde é recorrente a ideia de que a Razão deve agir como um cavaleiro que doma o corcel selvagem da Emoção. Enquanto formos semelhantes a Bucéfalo, ou seja, aterrorizados por fenômenos que não compreendemos, que nos assustam justamente pois somos ignorantes de suas verdadeiras causas, estaremos bem longe da serenidade e daquilo que em francês é conhecido pelo bela expressão la joie de vivre.
O que também me parece notável, e que eu gostaria de explorar mais a fundo na sequência, é que o “caso Bucéfalo” nos permite refletir sobre o medo distinguindo entre suas manifestações legítimas e aquilo que eu chamaria de um medo-sem-fundamento.
GREIL MARCUS, The Doors: A Lifetime of Listening to 5 Mean Years, New York: Public Affairs, 2011, pgs. 95-96.
DISSERTAÇÃO DE MESTRADO by Eduardo Carli de Moraes
Dissertação (Mestrado em Filosofia), Universidade Federal de Goiás. 2013.
Esta dissertação de mestrado tem por objetivo refletir sobre a filosofia de Friedrich Nietzsche (1844-1900), compreendida como tentativa de superação tanto da metafísica quanto do niilismo. Destaca-se a valorização nietzschiana de um pensamento dotado de senso histórico, fiel ao devir ininterrupto do real, o que implica em uma cosmovisão
semelhante à de Heráclito. Defende-se que a posição peculiar de Nietzsche na história da filosofia moral consiste na análise crítica da multiplicidade de diferentes valorações morais, sempre remetidas a suas fontes humanas (demasiado humanas). Através da atenção às circunstâncias e condições de surgimento, desenvolvimento e ocaso dos diversos ideais, valores morais e doutrinas religiosas, procuramos mostrar como Nietzsche constitui uma filosofia que rompe com a noção de valores divinos e imutáveis, além de des-estabilizar crenças em verdades absolutas. De modo a ilustrar o método genealógico nietzschiano em operação, investigam-se fenômenos como o ressentimento e o ascetismo, re-inseridos no fluxo histórico e compreendidos a partir de seus pressupostos psicológicos, fisiológicos e sócio-políticos. Com base em ampla pesquisa bibliográfica da obra de Nietzsche e comentadores (como Jaspers, Wotling, Rosset, Giacoiua, Moura, Ferraz, dentre outros), argumenta-se que a filosofia nietzschiana realiza uma ultrapassagem da cisão platônico-cristã entre dois mundos, além de uma superação do dualismo entre corpo e espírito. Procura-se descrever como a filosofia anti-idealista de Nietzsche, avessa ao absolutismo e ao sobrenaturalismo, age como uma “escola da suspeita”, convidando-nos a um filosofar liberto de subserviência,
credulidade e obediência acrítica à tradição. Explora-se também a temática da “morte de Deus” e da derrocada dos valores judaico-cristãos, além da concomitante escalada do
niilismo, no contexto de uma filosofia que busca sugerir e abrir novas vias para a aventura humana ao mobilizar conceitos como amor fati, além-do-homem e “fidelidade à terra”. Nietzsche é compreendido não somente em seu potencial crítico, demolidor da tradição idealista e metafísica, mas também como criador de uma sabedoria trágica e dionisíaca que se posiciona nas antípodas tanto dos ideais ascéticos quanto dos ideários niilistas.
PALAVRAS-CHAVE: Friedrich Nietzsche, Sabedoria Trágica, Crítica à Metafísica, Niilismo, Ética.
Interviews by Eduardo Carli de Moraes
transformar a cultura, não é possível pensar qualquer possibilidade de provocar mudanças duradouras no processo de constituição dos fenômenos psicológicos. Em uma acepção mais precisa, a PMC possibilita a análise de processos psicossociais e enfatiza os fatores macroculturais (instituições sociais, artefatos e conceitos culturais) com a finalidade de criticar processos deletérios na sociedade contemporânea.
A partir de tais considerações, a proposta de fazer uma entrevista com o pesquisador Carl Ratner se justifica, prioritariamente, pela necessidade de divulgar e aprofundar, no Brasil, um campo de estudos em expansão especificamente a partir dos anos 1990 nos Estados Unidos da América e na Europa: a Psicologia Cultural. A entrevista foi realizada no dia 06 de novembro de 2013.
V. 4, n. 1, jan/jun 2013 by Eduardo Carli de Moraes
Drafts by Eduardo Carli de Moraes
Na atualidade, uma caudalosa literatura, multidisciplinar e plurinacional, têm sido publicada no âmbito das críticas materialistas à religião, com pelo menos duas vertentes importantes: a anglo-saxã (Richard Dawkins, Daniel Dennett, Christopher Hitchens, Sam Harris etc.) e a francesa (Michel Onfray, André Comte-Sponville, Marcel Conche etc.)1. De modo sumário, podemos dizer que estes autores formulam argumentos que buscam provar a inexistência de Deus2; defendem a laicidade do Estado e criticam todo tipo de fanatismo, obscurantismo e fundamentalismo; afirmam a possibilidade de uma ética secular, a-religiosa, plenamente terrena, sem recompensas ou punições do além-túmulo; desenvolvem argumentos sobre a sabedoria, as virtudes, o bem-comum, considerados sempre na perspectiva desta vida e deste mundo etc.
No âmbito destas discussões, percebemos a recorrência de um problema filosófico muito debatido e que parece ter o dom de jamais receber resposta definitiva: não só a questão da existência de Deus, da alma imortal e do livre arbítrio, mas o debate sobre necessidade (ou não) da fé como fundamento para a ética e a política. Um dos nossos focos principais de nosso trabalho será a crítica empreendida pelas filosofias materialistas das conexões entre moral e religião, entre teologia e política.
A primeira delimitação de nosso tema consiste na eleição, como objetos de estudo, apenas dos filósofos da tradição materialista, que integram a “linha de Demócrito” de que fala Lenin (1962), que a contrastava com a “linha de Platão”. Estão colocados no ringue de batalha, pois, os dois velhos adversários: o materialismo e o idealismo.
A segunda delimitação temática consiste na primazia que concederemos em nossos estudos aos filósofos do materialismo de duas épocas:
I) na França do séc. XVIII, no período pré-Revolução Francesa, na obra dos radicais das “Luzes” (o Iluminismo ou Esclarecimento), em especial o barão D'Holbach (cuja magnum opus é O Sistema da Natureza), La Mettrie (autor de O Homem Máquina), Helvétius (cujos tratados Do Espírito e Do Homem marcaram época) e Denis Diderot (que além de filósofo foi autor também de obras literárias como A Religiosa, Jacques, o Fatalista e O Sobrinho de Rameau).Vale ressaltar que estes materialistas do séc. XVIII tiveram precursores, no século anterior, em figuras como Pierre Bayle, Jean Méslies e Pierre Gassendi (1592 – 1655), fontes em que também buscaremos pesquisar, dada a relevância deles como prefiguradores tanto do materialismo iluminista quanto do marxisma. Como escreve Onfray:
De fato, no verso do cartão-postal da historiografia dominante encontram-se felizmente pensadores candidatos à forca que celebram a volúpia desculpabilizada, anunciam a morte de Deus, professam a coletivização das terras, conclamam a estrangular os aristocratas com as tripas dos padres, incitam a filosofar para os pobres e para o povo, creem na possibilidade de mudar o mundo, ensinam uma moral eudemonista, se não hedonista, contam com a justiça dos homens. Chamo-os de ultras das Luzes, pois eles encarnam um pensamento radical. Ora, o que é um pensamento radical? Retomemos simplesmente a definição dada por Marx na sua Crítica da filosofia do direito de Hegel: ser radical é tomar as coisas pela raiz. (ONFRAY: 2012, p. 34)
II) No século XIX, com a emergência do materialismo marxista, doutrina com enraizamento filosófico nas fontes atomistas gregas (Demócrito e Epicuro) e também nos materialistas franceses como Holbach, Helvétius etc. (vide item I). Em sua relação crítica e construtiva com o materialismo iluminista francês, pode-se dizer que Marx aumenta o ímpeto prático e transformador que o anima e que ele ganha “carne” como movimento político, força coletiva organizada, ímpeto revolucionário. Parece-nos que é bem conhecida e estudada a relação crítica que o marxismo estabeleceu com o idealismo alemão, em especial sua empreitada crítica contra Hegel e os hegelianos de esquerda como Bruno Bauer. Também é notória e bastante pesquisada a influência determinante exercida pelo materialismo ateu de Feuerbach ou pela teoria econômica-política anarquista de Proudhon sobre o pensamento do jovem Marx, que depois desenvolverá também uma crítica destes seus antigos mestres. Porém, nosso trabalho pretende focar a atenção nas relações, que parecem-nos menos pesquisadas e conhecidas, de Marx com a tradição materialista dos sécs. XVII e XVII no Iluminismo francês (Helvétius, D'Holbach, La Mettrie etc.). Ou seja, desejamos explorar sobretudo de que modo foi importante para a configuração da teoria e da práxis marxistas o influxo do materialismo iluminista francês, dos “ultras das Luzes”, como os chama Michel Onfray nos volumes da Contra-História da Filosofia a eles dedicados.
LEIA NA ÍNTEGRA:
Papers by Eduardo Carli de Moraes
https://pos.filosofia.ufg.br/n/137089-divulgacao-final-do-resultado-final-da-selecao-de-doutorado-2021-1
Outro célebre pacifista, que peregrinou de pés descalços por toda a Índia, tentando ensinar a hindus, muçulmanos e sikhs a arte da convivência pacífica e do respeito à multilicidade e à diferença, dizia: “O olho-por-olho vai deixar o mundo todo cego.” A triste verdade é que a cegueira venceu: também Gandhi foi assassinado e seu ideal foi tripudiado pela catástrofe histórica da Partição Índia / Paquistão. Em 1947, o pior dos pesadelos gandhianos se tornou realidade quando estourou a guerra civil entre hindus e muçulmanos. O saldo trágico do conflito: mais de 1 milhão de mortos e mais de 7 milhões de refugiados.
Invocar uma canção de Lennon, um dito sábio de Gandhi, um convite à caminhada de Galeano: de que serve isso diante da desumanidade dos assassinos, diante do militarismo brucutu dos tiranos? Cantar sobre a beleza das flores e dos pássaros algum dia já impediu os tanques-de-guerra de marcharem sobre os jardins e de metralharem os sabiás? Clamar para que o valor da vida humana seja respeitado é o bastante para dissuadir os homens de uniforme, armados por seus Estados com licença-para-matar?
“A humanidade é desumana”, cantava Renato Russo, que encontrava razões para ser otimista no fato de “que o Sol não nasce pra todos (e só não sabe quem não quer)”. O Sol pode até ser o mesmo, mas é bem diferente vê-lo nascer de uma cobertura de luxo em Ipanema ou Miama, e vê-lo nascer em um campo de refugiados na Palestina.
Em Gaza, hoje o Sol ilumina uma pilha de cadáveres, uma multidão de estropiados, um oceano de lágrimas. Às vezes me pergunto se o Sol não tem vergonha de iluminar certas realidades que meus olhos consideram obscenas. Por que ele não protesta e se recusa a nascer? Suspeito que também o Sol seja desumano..."
Em seu trabalho cotidiano, tinha que lidar com dúzias e dúzias de casos de “desgraçados”: os “Lulas” anônimos do proletariado machucado, aqueles que perdem dedos nas linhas-de-montagem ou acabam sendo tragados - como Carlitos em Tempos Modernos - pelas engrenagens. Kafka convive diariamente com casos de pessoas que, por exaustão ou distração passageira, não acompanham o ritmo da mecânica industrial, descuidam das cadências e acabam pagando o preço em membros decepados e outras desgraças.
De modo indireto, portanto, como explora Michael Löwy em Kafka: Sonhador Insubmisso, a obra kafkiana conteria uma aguda crítica ao mundo capitalista – burocratizado, mecânico, explorador, insano. O escritório onde Kafka trabalhava pretendia regular as relações entre patrões e empregados em casos trágicos de mutilação, invalidez permanente ou mesmo morte no serviço. “Esta experiência ao lidar com as reclamações de invalidez e morte em benefício de trabalhadores mutilados ou mortos em suas funções serviram para reforçar a identificação instintiva com os oprimidos que definiu sua orientação política manifesta.” (PAWEL: O Assalto à Razão, p. 183)
Rosset considera Schopenhauer como um precursor de grandes correntes de pensamento posteriores a ele, tendo influenciado os rumos da psicanálise freudiana, do procedimento “genealógico” nietzschiano, do existencialismo francês, dentre muitos outros pensadores e artistas.
Neste artigo, analiso as doutrinas éticas e estéticas de Schopenhauer: a valorização da compaixão, a percepção da unidade da vontade, a experiência estética como superação do dualismo sujeito-objeto, o misticismo de inspiração budista, dentre outros temas conexos.
Trabalho de conclusão de disciplina, aprovado pela professora Mária Lúcia Cacciola, na Universidade de São Paulo (USP).
Eis algo que deve soar bem familiar àqueles acostumados a flanar pela história da filosofia, onde é recorrente a ideia de que a Razão deve agir como um cavaleiro que doma o corcel selvagem da Emoção. Enquanto formos semelhantes a Bucéfalo, ou seja, aterrorizados por fenômenos que não compreendemos, que nos assustam justamente pois somos ignorantes de suas verdadeiras causas, estaremos bem longe da serenidade e daquilo que em francês é conhecido pelo bela expressão la joie de vivre.
O que também me parece notável, e que eu gostaria de explorar mais a fundo na sequência, é que o “caso Bucéfalo” nos permite refletir sobre o medo distinguindo entre suas manifestações legítimas e aquilo que eu chamaria de um medo-sem-fundamento.
GREIL MARCUS, The Doors: A Lifetime of Listening to 5 Mean Years, New York: Public Affairs, 2011, pgs. 95-96.
Dissertação (Mestrado em Filosofia), Universidade Federal de Goiás. 2013.
Esta dissertação de mestrado tem por objetivo refletir sobre a filosofia de Friedrich Nietzsche (1844-1900), compreendida como tentativa de superação tanto da metafísica quanto do niilismo. Destaca-se a valorização nietzschiana de um pensamento dotado de senso histórico, fiel ao devir ininterrupto do real, o que implica em uma cosmovisão
semelhante à de Heráclito. Defende-se que a posição peculiar de Nietzsche na história da filosofia moral consiste na análise crítica da multiplicidade de diferentes valorações morais, sempre remetidas a suas fontes humanas (demasiado humanas). Através da atenção às circunstâncias e condições de surgimento, desenvolvimento e ocaso dos diversos ideais, valores morais e doutrinas religiosas, procuramos mostrar como Nietzsche constitui uma filosofia que rompe com a noção de valores divinos e imutáveis, além de des-estabilizar crenças em verdades absolutas. De modo a ilustrar o método genealógico nietzschiano em operação, investigam-se fenômenos como o ressentimento e o ascetismo, re-inseridos no fluxo histórico e compreendidos a partir de seus pressupostos psicológicos, fisiológicos e sócio-políticos. Com base em ampla pesquisa bibliográfica da obra de Nietzsche e comentadores (como Jaspers, Wotling, Rosset, Giacoiua, Moura, Ferraz, dentre outros), argumenta-se que a filosofia nietzschiana realiza uma ultrapassagem da cisão platônico-cristã entre dois mundos, além de uma superação do dualismo entre corpo e espírito. Procura-se descrever como a filosofia anti-idealista de Nietzsche, avessa ao absolutismo e ao sobrenaturalismo, age como uma “escola da suspeita”, convidando-nos a um filosofar liberto de subserviência,
credulidade e obediência acrítica à tradição. Explora-se também a temática da “morte de Deus” e da derrocada dos valores judaico-cristãos, além da concomitante escalada do
niilismo, no contexto de uma filosofia que busca sugerir e abrir novas vias para a aventura humana ao mobilizar conceitos como amor fati, além-do-homem e “fidelidade à terra”. Nietzsche é compreendido não somente em seu potencial crítico, demolidor da tradição idealista e metafísica, mas também como criador de uma sabedoria trágica e dionisíaca que se posiciona nas antípodas tanto dos ideais ascéticos quanto dos ideários niilistas.
PALAVRAS-CHAVE: Friedrich Nietzsche, Sabedoria Trágica, Crítica à Metafísica, Niilismo, Ética.
transformar a cultura, não é possível pensar qualquer possibilidade de provocar mudanças duradouras no processo de constituição dos fenômenos psicológicos. Em uma acepção mais precisa, a PMC possibilita a análise de processos psicossociais e enfatiza os fatores macroculturais (instituições sociais, artefatos e conceitos culturais) com a finalidade de criticar processos deletérios na sociedade contemporânea.
A partir de tais considerações, a proposta de fazer uma entrevista com o pesquisador Carl Ratner se justifica, prioritariamente, pela necessidade de divulgar e aprofundar, no Brasil, um campo de estudos em expansão especificamente a partir dos anos 1990 nos Estados Unidos da América e na Europa: a Psicologia Cultural. A entrevista foi realizada no dia 06 de novembro de 2013.
Na atualidade, uma caudalosa literatura, multidisciplinar e plurinacional, têm sido publicada no âmbito das críticas materialistas à religião, com pelo menos duas vertentes importantes: a anglo-saxã (Richard Dawkins, Daniel Dennett, Christopher Hitchens, Sam Harris etc.) e a francesa (Michel Onfray, André Comte-Sponville, Marcel Conche etc.)1. De modo sumário, podemos dizer que estes autores formulam argumentos que buscam provar a inexistência de Deus2; defendem a laicidade do Estado e criticam todo tipo de fanatismo, obscurantismo e fundamentalismo; afirmam a possibilidade de uma ética secular, a-religiosa, plenamente terrena, sem recompensas ou punições do além-túmulo; desenvolvem argumentos sobre a sabedoria, as virtudes, o bem-comum, considerados sempre na perspectiva desta vida e deste mundo etc.
No âmbito destas discussões, percebemos a recorrência de um problema filosófico muito debatido e que parece ter o dom de jamais receber resposta definitiva: não só a questão da existência de Deus, da alma imortal e do livre arbítrio, mas o debate sobre necessidade (ou não) da fé como fundamento para a ética e a política. Um dos nossos focos principais de nosso trabalho será a crítica empreendida pelas filosofias materialistas das conexões entre moral e religião, entre teologia e política.
A primeira delimitação de nosso tema consiste na eleição, como objetos de estudo, apenas dos filósofos da tradição materialista, que integram a “linha de Demócrito” de que fala Lenin (1962), que a contrastava com a “linha de Platão”. Estão colocados no ringue de batalha, pois, os dois velhos adversários: o materialismo e o idealismo.
A segunda delimitação temática consiste na primazia que concederemos em nossos estudos aos filósofos do materialismo de duas épocas:
I) na França do séc. XVIII, no período pré-Revolução Francesa, na obra dos radicais das “Luzes” (o Iluminismo ou Esclarecimento), em especial o barão D'Holbach (cuja magnum opus é O Sistema da Natureza), La Mettrie (autor de O Homem Máquina), Helvétius (cujos tratados Do Espírito e Do Homem marcaram época) e Denis Diderot (que além de filósofo foi autor também de obras literárias como A Religiosa, Jacques, o Fatalista e O Sobrinho de Rameau).Vale ressaltar que estes materialistas do séc. XVIII tiveram precursores, no século anterior, em figuras como Pierre Bayle, Jean Méslies e Pierre Gassendi (1592 – 1655), fontes em que também buscaremos pesquisar, dada a relevância deles como prefiguradores tanto do materialismo iluminista quanto do marxisma. Como escreve Onfray:
De fato, no verso do cartão-postal da historiografia dominante encontram-se felizmente pensadores candidatos à forca que celebram a volúpia desculpabilizada, anunciam a morte de Deus, professam a coletivização das terras, conclamam a estrangular os aristocratas com as tripas dos padres, incitam a filosofar para os pobres e para o povo, creem na possibilidade de mudar o mundo, ensinam uma moral eudemonista, se não hedonista, contam com a justiça dos homens. Chamo-os de ultras das Luzes, pois eles encarnam um pensamento radical. Ora, o que é um pensamento radical? Retomemos simplesmente a definição dada por Marx na sua Crítica da filosofia do direito de Hegel: ser radical é tomar as coisas pela raiz. (ONFRAY: 2012, p. 34)
II) No século XIX, com a emergência do materialismo marxista, doutrina com enraizamento filosófico nas fontes atomistas gregas (Demócrito e Epicuro) e também nos materialistas franceses como Holbach, Helvétius etc. (vide item I). Em sua relação crítica e construtiva com o materialismo iluminista francês, pode-se dizer que Marx aumenta o ímpeto prático e transformador que o anima e que ele ganha “carne” como movimento político, força coletiva organizada, ímpeto revolucionário. Parece-nos que é bem conhecida e estudada a relação crítica que o marxismo estabeleceu com o idealismo alemão, em especial sua empreitada crítica contra Hegel e os hegelianos de esquerda como Bruno Bauer. Também é notória e bastante pesquisada a influência determinante exercida pelo materialismo ateu de Feuerbach ou pela teoria econômica-política anarquista de Proudhon sobre o pensamento do jovem Marx, que depois desenvolverá também uma crítica destes seus antigos mestres. Porém, nosso trabalho pretende focar a atenção nas relações, que parecem-nos menos pesquisadas e conhecidas, de Marx com a tradição materialista dos sécs. XVII e XVII no Iluminismo francês (Helvétius, D'Holbach, La Mettrie etc.). Ou seja, desejamos explorar sobretudo de que modo foi importante para a configuração da teoria e da práxis marxistas o influxo do materialismo iluminista francês, dos “ultras das Luzes”, como os chama Michel Onfray nos volumes da Contra-História da Filosofia a eles dedicados.
LEIA NA ÍNTEGRA: