Cabral, Amílcar. Análise de alguns tipos de resistência. Edição revista e comentada (org. Inês Galvão, José Neves e Rui Lopes), 2020
A trajectória e os contextos em que o pensamento de Amílcar Cabral se formou e tem vindo a ser in... more A trajectória e os contextos em que o pensamento de Amílcar Cabral se formou e tem vindo a ser interpretado constituíram o principal objecto de estudo do projecto de investigação Amílcar Cabral: da História Política às Políticas da Memória. Ao longo de três anos e meio, a equipa do projecto desenvolveu as seguintes estratégias: procedeu a uma história de conceitos veiculados pelo discurso de Cabral, como por exemplo os conceitos de “povo” e “nação”, analisando-os enquanto expressão do seu pensamento e de processos históricos que o antecederam; procurou mapear a actividade de Cabral na tessitura de diferentes redes políticas internacionais e transnacionais, assim considerando o tempo que o precedeu e a envolvência global de que a sua vida foi e se fez contemporânea; e, por fim, submeteu a sua figura a uma análise metabiográfica, na certeza de que a memória de Cabral diz tanto dos seus feitos quanto do sentido que outros deram à sua vida, à época como em posteridade.
Análise de Alguns Tipos de Resistência tornou-se, então, motivo de especial interesse para este projecto. Revelou-se uma fonte importante para a história de conceitos relevantes na economia geral do discurso de Amílcar Cabral, desde logo o de “resistência”. Denotou a permeabilidade desse discurso a vários fenómenos políticos em curso noutras paragens do mundo, desde a evolução dos novos Estados pós-coloniais africanos até à luta anti-imperialista travada no Vietname, em contexto de Guerra Fria. E finalmente, mas não menos importante, o texto participou dos processos de configuração de Cabral por que diferentes estudiosos têm procurado fixar a sua memória e dotá-la de significados. A respeito destes últimos processos, diríamos que, se Análise de Alguns Tipos de Resistência e o seu autor têm sido tratados na maior parte das vezes como fonte e objecto de análise, outras abordagens cuidam já de projectar e perfilar Amílcar Cabral como um sujeito autoral de referência no domínio da teoria política e das ciências sociais e humanas. É dessa tendência exemplo a primeira edição do texto em língua inglesa, que surge numa colecção apostada em renovar o campo da teoria social crítica, publicando Cabral ao lado de académicos nossos contemporâneos, como Nancy Fraser, cientista política e filósofa norte-americana, ou o sociólogo e filósofo alemão Axel Honneth. Também o sociólogo português Boaventura de Sousa Santos, num livro recente, encontrou neste texto de Cabral um prenúncio do que tem vindo a cunhar como epistemologias do Sul.
As hipóteses interpretativas a que em seguida submetemos o texto em apreço beneficiam da variedade de usos e abordagens académicas que acabámos de referir. Procurámos historicizar o texto e interpelá-lo de um ponto de vista teórico, assumindo assim o lugar que este conjunto de intervenções tem granjeado no estado da arte de domínios como os estudos sobre resistência, a antropologia dos movimentos sociais ou os estudos pós-coloniais. Beneficiámos também de novas perspectivas, suscitadas quer em conversas com guineenses que viram chegar a guerra às suas tabancas, quer em sessões de discussão académica do texto realizadas ao longo de 2019 em Portugal, na Guiné-Bissau e em Cabo Verde, com a participação de colegas de diferentes áreas disciplinares.
Nas páginas que se seguem começaremos por situar Análise de Alguns Tipos de Resistência nas circunstâncias mais imediatas em que surgiu o texto, reconhecendo o seu carácter pragmático. De seguida, discutiremos o seu discurso sobre a cosmologia local à luz dos relatos por nós ouvidos no decurso de uma pesquisa etnográfica. Por fim, articularemos as suas ideias com uma história mais vasta da modernidade, a das rupturas e continuidades entre o projecto colonial e o imaginário anticolonial.
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Papers by José Neves
to examine the relations between culture, nationalism and globalization during the
second half of the twentieth century. The article follows the career of António José
Saraiva from the 1940s to the 1990s, describing his transformation from expressing
a universalist and progressive idea of culture to a nationalist and romantic one, and
relating it to the transformations of communist internationalism and to the developments
of capitalism and globalization. Considering the ruptures, but also the continuities
within Saraiva’s thought, it is argued that his commitment to the problem of
alienation plays a key role in this transformation While contributing to the history
of one of the most read Portuguese intellectuals of the twentieth century, this article
stresses the need for historians and social scientists to move beyond – at least
partially – some binary oppositions that often command our approach to culture:
namely the conflict between culture and economy on the one hand, and the national
and the global, on the other
to examine the relations between culture, nationalism and globalization during the
second half of the twentieth century. The article follows the career of António José
Saraiva from the 1940s to the 1990s, describing his transformation from expressing
a universalist and progressive idea of culture to a nationalist and romantic one, and
relating it to the transformations of communist internationalism and to the developments
of capitalism and globalization. Considering the ruptures, but also the continuities
within Saraiva’s thought, it is argued that his commitment to the problem of
alienation plays a key role in this transformation While contributing to the history
of one of the most read Portuguese intellectuals of the twentieth century, this article
stresses the need for historians and social scientists to move beyond – at least
partially – some binary oppositions that often command our approach to culture:
namely the conflict between culture and economy on the one hand, and the national
and the global, on the other
Frederico Ágoas e José Neves (coords.), O Espectro da Pobreza História, Cultura e Política em Portugal no Século XX, Lisboa, Mundos Sociais, 2017.
Análise de Alguns Tipos de Resistência tornou-se, então, motivo de especial interesse para este projecto. Revelou-se uma fonte importante para a história de conceitos relevantes na economia geral do discurso de Amílcar Cabral, desde logo o de “resistência”. Denotou a permeabilidade desse discurso a vários fenómenos políticos em curso noutras paragens do mundo, desde a evolução dos novos Estados pós-coloniais africanos até à luta anti-imperialista travada no Vietname, em contexto de Guerra Fria. E finalmente, mas não menos importante, o texto participou dos processos de configuração de Cabral por que diferentes estudiosos têm procurado fixar a sua memória e dotá-la de significados. A respeito destes últimos processos, diríamos que, se Análise de Alguns Tipos de Resistência e o seu autor têm sido tratados na maior parte das vezes como fonte e objecto de análise, outras abordagens cuidam já de projectar e perfilar Amílcar Cabral como um sujeito autoral de referência no domínio da teoria política e das ciências sociais e humanas. É dessa tendência exemplo a primeira edição do texto em língua inglesa, que surge numa colecção apostada em renovar o campo da teoria social crítica, publicando Cabral ao lado de académicos nossos contemporâneos, como Nancy Fraser, cientista política e filósofa norte-americana, ou o sociólogo e filósofo alemão Axel Honneth. Também o sociólogo português Boaventura de Sousa Santos, num livro recente, encontrou neste texto de Cabral um prenúncio do que tem vindo a cunhar como epistemologias do Sul.
As hipóteses interpretativas a que em seguida submetemos o texto em apreço beneficiam da variedade de usos e abordagens académicas que acabámos de referir. Procurámos historicizar o texto e interpelá-lo de um ponto de vista teórico, assumindo assim o lugar que este conjunto de intervenções tem granjeado no estado da arte de domínios como os estudos sobre resistência, a antropologia dos movimentos sociais ou os estudos pós-coloniais. Beneficiámos também de novas perspectivas, suscitadas quer em conversas com guineenses que viram chegar a guerra às suas tabancas, quer em sessões de discussão académica do texto realizadas ao longo de 2019 em Portugal, na Guiné-Bissau e em Cabo Verde, com a participação de colegas de diferentes áreas disciplinares.
Nas páginas que se seguem começaremos por situar Análise de Alguns Tipos de Resistência nas circunstâncias mais imediatas em que surgiu o texto, reconhecendo o seu carácter pragmático. De seguida, discutiremos o seu discurso sobre a cosmologia local à luz dos relatos por nós ouvidos no decurso de uma pesquisa etnográfica. Por fim, articularemos as suas ideias com uma história mais vasta da modernidade, a das rupturas e continuidades entre o projecto colonial e o imaginário anticolonial.